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Os balanços balançam

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Na crise de 2008, o Federal Reserve e seus pares no mundo desenvolvido não vacilaram. Assustados com a derrocada dos ativos lastreados nos empréstimos imobiliários, as autoridades trataram de prover liquidez para administrar a desalavancagem e conter a qualquer custo a contração do mercado interbancário e a evaporação dos money markets.  

A política de inundação de liquidez (quantitative easing) descarregou trilhões nos bancos. A crise impôs aos governos manobras desesperadas de transformação de passivos privados em débitos públicos. Os bancos centrais - uns mais, outros menos - cuidaram de absorver ativos privados em seus balanços, enquanto os Tesouros se incumbiam da emissão generosa de títulos públicos para sustentar a liquidez das carteiras de ativos dos bancos privados. Hoje os bancos centrais - US Federal Reserve, Banco Central da Suíça, Banco da Inglaterra, Peoples Bank of China, Banco Central Europeu, Banco do Japão - agasalham em seus balanços US$ 23 trilhões, ou seja 45% do PIB desses países. 

As análises e avaliações dos efeitos do quantitative easing quase sempre ignoram a importância da expansão da dívida pública para o saneamento e recuperação dos balanços dos bancos. Salvos da desvalorização dos ativos podres que carregavam e agora empanturram o balanço dos bancos centrais, os bancos privados e outros intermediários financeiros garantiram a qualidade de suas carteiras e salvaguardaram seus patrimônios carregando títulos públicos com juros reduzidos, mas valorização assegurada. 

Em seus últimos relatórios, o Bank of International Settlements (BIS)  avaliou o comportamento dos mercados financeiros pós-crise, empurrados para outra bolha nas bolsas e nos preços elevados (e juros baixos) dos bônus privados e públicos. “Isso tem tudo a ver com a forma de expansão do crédito. Ao invés de financiar a aquisição de bens e serviços, o que eleva os gastos e o produto, a expansão do crédito está simplesmente financiando a aquisição de ativos já existentes, sejam eles ‘reais’ (imóveis ou empresas) ou financeiros”. 

Nos Estados Unidos, à sombra do quantitative easing, o volume de crédito destinado a financiar posições em ativos já existentes cresceu a uma velocidade muito superior àquela apresentada pelos empréstimos destinados ao gasto produtivo. Como proporção do PIB, o valor dos financiamentos para outras instituições financeiras, sobretudo para “alavancar” posições nos mercados de derivativos, é quatro vezes maior do que os créditos destinados a financiar a criação de emprego e renda no setor produtivo. 

As empresas e bancos “financiam” os mercados de ações ao tomar crédito barato para comprar de volta os papéis (buy back) negociados e abrigá-los em tesouraria, com o propósito de turbinar os preços e agradar aos acionistas, proporcionando ganhos para os administradores remunerados com stock options. 

As estratégias financeiras valorizam os ganhos de curto prazo e, por isso, estimulam os programas de buy back de ações (compra das próprias ações com o propósito de valorizá-las e favorecer a distribuição de dividendos).

 Alterou-se a relação entre os recursos destinados ao investimento e aqueles utilizados para propiciar a elevação “solidária” dos ganhos dos acionistas e a remuneração dos administradores (“stock options”). Nos anos 60, a cada US$ 12 gastos com compra de máquinas ou construção de novas fábricas, apenas US$ 1 era gasto com os dividendos pagos aos acionistas. Nas décadas seguintes, a proporção começou a se inverter: mais dividendos, mais “juros sobre o capital próprio” e menos investimento nas fábricas e na contratação de trabalhadores. No borbulhar das borbulhas, não escasseiam espíritos intrépidos. Encantados com volta à “normalidade”, recomendam a desmontagem do estoque de ativos acumulados nos balanços dos bancos centrais. Veremos.

*Economista