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O caminho do meio

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Como em quase todos os assuntos, o “caminho do meio”, expressão que Siddhartha Gautama usou para descrever o movimento para a libertação pessoal, implicando na prática de não-extremismo, pois todas as dualidades aparentes no mundo são ilusórias, não tem sido muito observado quando tratamos das políticas a prevalecerem nas instituições educacionais. 

Embora não possamos ignorar as questões políticas globais, tendo num lado o perigo das concepções meramente economicistas que estão se estabelecendo em alguns dos estabelecimentos educativos, enquanto noutros começa a ficar em voga uma concepção totalmente desligada da realidade concreta brasileira, pregando uma escola absolutamente rebelde e à margem do sistema. 

São duas propostas extremadas, dado que escolas são organizações profissionais em que os objetivos são concretizados no cumprimento da especificidade do ensino-aprendizagem; uma escola está inserida numa comunidade, com sua economia, suas dificuldades e vantagens, seus ritmos e rituais, e não deve servir à militância política, embora seus participantes tenham opiniões e convicções, que eventualmente expõem, sem sectarismo ou imposições. 

Alunos que aprendem mais impactam positivamente o mundo do trabalho, o que faz do país um lugar melhor de se viver, incrementa a cidadania e melhora os relacionamentos interpessoais; decisões operacionais escolares devem portanto atender demandas concretas de melhoria na aprendizagem, percebendo qual o perfil desejado num professor e as práticas de gestão mais adequadas a este objetivo; como bem definiu Manacorda, um dos maiores intelectuais marxistas italianos do século XX, que soube distinguir a cultura ideal comunista da prática do socialismo real: “uma orientação ideal, uma concepção geral de mundo, não assegura nada sem a técnica; assim como a técnica pode servir para todos os fins, bons ou maus, de acordo com a ideologia que a governa. Não é possível tomar uma posição ou fazer opções operacionais somente com base numa orientação ideológica genérica. Toda atividade social, seja cultural, econômica, política ou outra qualquer, requer uma competência técnica, assim como toda técnica necessita uma orientação ideal, uma concepção de mundo”. 

A realidade da escola brasileira nos obriga ao reconhecimento de que os estudantes não estão aprendendo ou pelo menos não estão aprendendo como precisariam, e que professores, principalmente fora dos grandes centros, ou mesmo na periferia destes, estão com dificuldades para ensinar; e que a conjugação destes fatores acelera os problemas sociais, culturais, disciplinares, avolumando os problemas internos da escola, e acentuando desigualdades. 

Currículos defasados, práticas inadequadas de gestão, metodologias obsoletas, falta de acesso às novas tecnologias, tudo conspira para a ausência de conteúdo dos docentes, ou mesmo para a inabilidade no trato com eles. As novas tecnologias trouxeram novos interesses, outras formas de acesso às informações, e nem sempre os profissionais do magistério estão plenamente capacitados para este desafio; discursos políticos partidários diários não mudarão esta realidade, até porque não é a sala de aula o seu local adequado. A doutrinação feita aos alunos não pode substituir o questionamento feito com seriedade às autoridades em outros fóruns, e sempre que houver oportunidade. 

Embora todos tenhamos inclinações políticas partidárias, e não tenhamos motivos para escondê-las, não temos também que viver em eterna catequese sobre nossas convicções, como se apenas o fato de compartilharmos uma determinada fé a tornasse mais verdadeira. Cultura promove a atitude crítica contra o autoritarismo, precisamos aumentá-la na escola brasileira.

* Educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBras