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A palavra que exala preconceito

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O economista grego, ex-ministro das Finanças, Yanis Varoufakis escreveu no portal “Project Syndicate”: em ambos os lados do Atlântico, a emergência do “paroquialismo militante” (o nacionalismo estreito e reacionário) tem sido investigado de todos os ângulos possíveis: psicanalítico, cultural, antropológico, estético e, naturalmente, sob a ótica identitária. “O único ângulo que permanece largamente inexplorado, crucial para a compreensão do que está ocorrendo, é a incessante guerra deflagrada contra os pobres, desde o final dos anos 70”. 

Varoufakis continua: os dados do Federal Reserve informam que, nos Estados Unidos, mais da metade das famílias não se qualifica para obter um empréstimo de US$ 12,825 com o propósito de adquirir um Nissan Versa. Enquanto isso, na Inglaterra, mais de 40% das famílias dependem dos recursos públicos dos bank foods para prover sua alimentação e cobrir as necessidades básicas. Na Alemanha, explica o “Le Monde Diplomatique”, depois da reforma trabalhista, o baixo desemprego convive com a generalização do trabalho precário, produzindo em massa o fenômeno dos working poors.

 Encarapitados nos píncaros reservados ao 1% da distribuição de renda e riqueza, os críticos do populismo lançam mensagens de menosprezo aos que labutam no vale de lágrimas. 

Populismo é uma palavra sem conceito que exala preconceito. Ela pretende dizer que os “esclarecidos” decidem de maneira racional, não por interesse próprio. Dizem que os desvalidos e os mais pobres atacam os orçamentos na defesa de seus interesses. 

O filósofo italiano Bifo Berardi não deixa barato: “A palavra populismo, muito usada nesses tempos, é uma fraude. Não explica coisa nehuma”. Bifo vai mais fundo para diagnosticar os desencontros entre as visões dos iluminados e os desvios dos obscurantistas-populistas.

“A soberania popular, enquanto faculdade de governar a vida social está irremediavelmente perdida porque, em uma era de aceleração da hipercomplexidade, a vontade popular é impotente diante dos automatismos técnicos e línguisticos que a sociedade não pode obstar”. 

A corporeidade da massa “populista” é ignorada pela impessoalidade da automação do trabalho e pelas abstrações do cérebro financeiro. A aceleração do tempo produz o amesquinhamento do espaço onde sobrevivem os mortais de carne e osso. 

As novas formas financeiras contribuíram para aumentar o poder das corporações internacionalizadas sobre grandes massas de trabalhadores, permitindo a “arbitragem” entre as regiões e nivelando por baixo a taxa de salários. ~

As fusões e aquisições acompanharam o deslocamento das empresas que operam em múltiplos mercados. Esse movimento não só garantiu um maior controle dos mercados, mas também ampliou o fosso entre o desempenho dos sistemas empresariais “globalizados” e as economias territoriais submetidas à regras jurídico-políticas dos Estados Nacionais. A abertura dos mercados e o acirramento da concorrência coexistem com a tendência ao monopólio e debilitam a força dos sindicatos e dos trabalhadores “autônomos”, fazendo periclitar a sobrevivência dos direitos sociais e econômicos, considerados um obstáculo à operação das leis de concorrência. 

Nesse ambiente darwinista, são cada vez mais frequentes as arengas dos economistas, sacerdotes da religião dos mercados, contra as tentativas dos simples cidadãos e cidadãs de barrar a marcha do Moloch insaciável e ávido por expandir o seu poder. A gritaria dos sábios das finanças é desferida contra os “desvios” da política, contra os surtos de “populismo”. Quando um sábio ou magano da finança e da economia saca do coldre a palavra populismo, meus ouvidos traduzem “é um assalto”. Levanto os braços imediatamente diante das ameaças do agente racional engomado.

* Economista