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Criação coletiva

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No futuro, cada um será mundialmente famoso por 15 minutos, declarou, em 1968, Andy Warhol – o mais célebre representante da arte pop, que defendia a produção artística em série, como em uma fábrica (nome de seu ateliê).

Hoje, 50 anos depois, quando a arte parece ter alcançado o auge da promoção e da celebração do artista como criador individual, concomitantemente, os coletivos artísticos e os processos de criação colaborativa vão se tornando cada vez mais frequentes, dentro e fora do circuito. 

O culto à personalidade, multiplicado pelas redes sociais, é condição inerente ao artista. Integrado ou marginal, heroico ou patético, ficcional ou biográfico, sua narrativa é o culto a esse indivíduo, como expressão do seu gênio criativo. O mercado de arte e a vaidade do artista promovem esse status há muito tempo. 

Pela vaidade, podemos voltar ao século IV a.C., na Grécia, e à disputa entre Zêuxis e Parrásio para definir qual dos dois seria o melhor pintor de sua época, isto é, capaz de criar a mais perfeita ilusão da realidade. No dia combinado, ambos apresentaram suas pinturas e, quando Zêuxis removeu o véu que cobria o seu quadro, logo vieram pássaros para tentar bicar as uvas pintadas. Parrásio congratulo-o por ter conseguido iludir os pássaros e então pediu a Zêuxis que removesse também o véu que cobria o seu quadro. Ao tentar fazê-lo, Zêuxis percebeu que o véu era a própria pintura de Parrásio: “Isto não é um véu.”

Pelo mercado, poderíamos voltar ao século XV d.C, na Europa – particularmente Florença e Bruges. Na primeira, além da existência de concorrências entre os principais artistas para a criação das obras mais importantes, havia um pintor, Neri di Bicci, que produzia, com seus assistentes e aprendizes, uma série de pinturas praticamente iguais, sobre temas de apelo popular, e as vendia a preços baixos, mas em grande escala – como uma fábrica.

O que se apresenta caracteristicamente neste século, em contraponto ao sistema estelar promovido pelo mercado, é a dissolução da autoria. A abertura do ser criativo, ou o agenciamento de seu potencial em um processo interativo com outros artistas, para o encontro de ritmos e fluxos comuns de criação coletiva.

A colaboração tornou-se chave para a realização de projetos artísticos, não mais para a execução de um projeto individual, ou a simples junção de criações individuais, mas para a própria criação conjunta – concepção e execução compartilhadas.

A prática não é nova, se comparada a algumas bandas de música, por exemplo – não todas, já que, em muitos casos, apenas a execução é coletiva. Mesmo caso de grupos teatrais, onde a criação coletiva ganhou força, mais ou menos atrelada ao nome de um diretor, ou encenador, no teatro dos anos 60 do século passado, para se firmar com as companhias dos anos 90, e se popularizar no início deste século.

Já nas artes visuais, os grupos sempre foram mais uma reunião de criadores individuais agrupados por uma proposta estética ou um programa compartilhado. Claro que houve exemplos de criação coletiva no século XX, mas como exceção. Não como prática comum. Experimentações coletivas dos anos 1960 e 70, ou antes, dos anos 10 e 20, foram exceções que poderiam ser consideradas raízes do que proliferou e vem se firmando como tendência de criação, e como alternativa ao personalismo do meio.

Talvez sintomaticamente, alguns dos últimos representantes da criação individual venham lutando por perpetuarem o próprio nome, batizando centros de arte em auto-homenagem – do mesmo modo como costumam fazer donos e donas de galeria.

Ao mesmo tempo, inúmeros centros de criação coletiva vêm aglutinando diversas individualidades em núcleos propiciadores à interação de habilidades e saberes não hierarquizados. E esses núcleos muitas vezes interagem com outros, formando organismos descentralizados.

Se um nome é necessário para a identificação de um coletivo artístico, não precisa identificar seus integrantes, nem promovê-los individualmente. 

E essa é uma estratégia de ação que tende a se dar à margem, contra, ou independente do mercado e do circuito de arte – muito frequentemente, no espaço público. Outras vezes, mesmo dentro do circuito, em museus e galerias, apresentam-se ainda como coletivos. 

E então, cooptados pelo mercado, pode-se alegar que a mudança terá sido apenas de denominação, do individual para o coletivo. Mas é claro que, se o mercado é capaz de absorver tudo – performances são hoje comercializadas e incorporadas a coleções de museus e instituições culturais –, também o faria com os coletivos. 

O que importa aqui é a desindividualização da criação, a coletivização do fazer e o questionamento sobre a autoria da obra de arte.

* Professor e artista visual