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Foro privilegiado?

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Muita ilusão foi gerada em torno da decisão do STF, que mudou as regras para se processar gente com poder no Brasil. Procurou-se difundir a ideia de que, agora, haverá justiça, que as pessoas poderosas, agora, serão processadas, julgadas e punidas.

Os republicanos históricos, que organizaram a República no Brasil, acreditavam que as pessoas que detinham poder deveriam ser processadas e julgadas, por seus crimes, por juízes igualmente com poder. Para julgar pessoas fortes, tribunais fortes.

Muitos prefeitos das cidades do interior são eleitos deputados, senadores ou se tornam ministros ou governadores. Como prefeitos, certamente farão alguns favores a juízes, promotores, delegados ou policiais que atuam em suas cidades. Dificilmente essas autoridades pagam aluguéis residenciais. Geralmente os prefeitos cuidam. Recebem homenagens das prefeituras e das câmaras de vereadores. No mínimo serão criadas relações pessoais que vão durar pela vida.

Agora, quando os processos que envolvem gente poderosa forem abertos no domicílio das autoridades superiores, esses serão feitos pela polícia local e julgados pelas autoridades judiciais locais com as quais os processados tiveram relacionamento anteriormente, ou seus aliados políticos, prefeitos e vereadores atuais estão tendo, atualmente.

O processo criminal brasileiro tem um grave defeito: policiais, promotores e juízes trabalham separadamente, de forma diferente dos outros países avançados. São os delegados e policiais que formam os processos, produzem as provas que podem condenar ou deixam de produzi-las. Os promotores e juízes lavam as mãos, somente vão folhear os processos e tomar decisões de acordo com as provas contidas no processo. É muito mais fácil trabalhar os processos na polícia, onde efetivamente as pessoas são condenadas ou absolvidas em função das provas, do que nos tribunais. A expressão advogados de porta de xadrez não é à toa.

Por tais circunstâncias, os republicanos estabeleceram que será o Supremo Tribunal Federal que irá processar e julgar esses prefeitos quando se tornarem deputados, senadores ou ministros.

As constituições brasileiras sempre assim dispuseram. Os grandes estadistas brasileiros nunca deixaram de dar este tratamento à matéria.

Outra questão é o foco. No STF, os processos são acompanhados, vigiados, noticiados. Será mais difícil acompanhar os processos nas cidades dos domicílios das autoridades, país afora.

Além disso, serão inúmeros os recursos que as partes farão para ir retardando a decisão final, até nos tribunais superiores. Todos nos lembramos que os condenados no mensalão no STF reclamaram muito de que foram julgados rápido demais e por uma única instância.

Estamos assistindo, agora, a processos sendo remetidos aos municípios de alguns investigados. Será que Aécio Neves estaria menos confortado com seu processo ser feito e julgado em Belo Horizonte, capital do estado que governou por quase oito anos, do que quando estava no STF? Ou Eduardo Paes e Pedro Paulo estariam mais aborrecidos se seu processo fosse para as mãos da polícia estadual e dos promotores e juízes estaduais? Será que o foro privilegiado deles não viria agora? Nos lembremos que Eduardo Azeredo renunciou ao mandato de deputado federal para ter seu processo remetido para Belo Horizonte, onde foi seguro desde o mensalão até agora.

Tenhamos em mente que os processos de deputados e senadores serão distribuídos país afora, para seus domicílios, e não para os juízes que se tornaram famosos por suas sentenças duras.

Além de terem emendado a Constituição, o que não poderiam nem deveriam, os ministros do STF poderão ter embarcado numa grande ilusão. Serão responsáveis pela grande frustração que certamente virá.

Será que estamos diante de mais uma distorção de valores na vida brasileira atual?

* Foi constituinte e deputado federal