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Da mamada às mamatas

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Em 2007, Alan Greenspan, mágico de Oz, abade superior da congregação internacional dos economistas neoliberais, declarou que, graças à globalização, as decisões políticas foram substituídas pelas forças globais do mercado. Afortunadamente, disse, o mundo se autorregula, não importa quem seja o presidente dos Estados Unidos. Um ano depois, em 2008, a crise bancária dos Estados Unidos volatilizou trilhões de dólares e enterrou a estabilidade da classe média americana. Alan pegou o boné e saiu de mansinho, pedindo desculpas pelo mau jeito.

Lembrei-me disso ao ver na televisão um  candidato a presidente da República afirmar  que seu principal objetivo, caso eleito, seria fazer o mercado ditar normas para o governo e não  o governo ditar normas para o mercado. Desliguei a televisão, obviamente. Depois, fiquei a pensar como o mundo está “tam-tam”, como dizia minha avó. Basta dar uma olhada nos Estados Unidos, pós-Greenspan, onde neoliberais controlam o governo. Os bancos  foram salvos pelo Tesouro. Eram grandes demais para quebrar. A conta, como sempre, foi pendurada no bolso do contribuinte. Os exemplos proliferam e se agravam. Ainda esta semana,o “New York Times” relatou o desumano e prepotente procedimento da delegação americana na Organização Mundial da Saúde. Por falta de espaço, deixarei o assunto para a próxima semana. Tem a ver com crianças recém-nascidas, que, por preferirem mamar em suas mães, distorcem o mercado do leite em pó. Pela virulência, parece que a amamentação natural será, em breve, considerada monopólio intolerável. 

No Brasil, em 2016, sem consulta ou transparência, tem início uma política macroeconômica  de ajustamento fiscal, identificada com os fundamentos de Greenspan. Em menos de dois anos, reduz benefícios  sociais, agrava o desemprego, desarticula a rede protetora de assalariados, massacra a indústria. A mortalidade infantil aumenta. Crianças mal-alimentadas apresentam sequelas intelectuais irreversíveis. Anuncia reformas, dentre as quais a tributária, em que se pode tudo, menos revisitar os segmentos mais ricos da sociedade. A desigualdade social cresce e pede passagem para continuar crescendo. No carnaval, uma escola de samba desfila a frustração da sociedade. O governo a vê como vão protesto de vândalos. Ingratidão. 

Comentaristas de televisão a cabo destilam a sabedoria do mercado onipotente, onisciente . E num cantochão desafinado e sulfuroso nos declamam mantras: “Lembrem de Thatcher, lembrem de Reagan: não há alternativa”.  Será mesmo? Trinta anos depois estamos melhores? Não é o que sente a classe média americana. Não é o que parece significar o Brexit. O Podemos na Espanha. A simbiose entre extrema direita e extrema esquerda na Itália. O Syriza na Grécia. Por outro lado, a China, a Coreia do Sul, a Malásia. Pois é. E, claro, o 1% da população mundial, composta de tios Patinhas.

Neste 2018, o Brasil tem encontro marcado com o destino. Melhor, a sociedade brasileira vai reescrever seu destino. A sociedade está cansada de tantas manipulações e sabe que apenas ela poderá ser a real mestre de seu futuro. Muito  diverso deste presente mentiroso, empulhador, em nome de uma ideologia francamente derrotista, perigosamente  autoritária, falsa como uma rosa de plástico.

Exija apenas uma coisa de seu futuro presidente. Transparência, agora. Lealdade, sempre. Pergunte se acredita no Brasil. O Brasil tem futuro? Ou o mercado nos levará docilmente  a uma neocolonização? Pergunte por que o governo não pode combinar o equilíbrio fiscal com a  retomada do investimento público. Pergunte se vai vender a Petrobras. Ou a Eletrobras. Quantas mamatas estão em gestão? Estamos vendendo baratinho a Embraer. De graça, seguem  os nossos engenheiros. Pergunte, pergunte, pergunte até ele ficar sabendo que você não cai em papo furado. E que o voto é um contrato com uma sociedade não mais disposta a ser traída, emasculada, iludida na sua boa-fé e na imutável crença de que habita um país de homens fortes e de mulheres bravas. Mestiços de múltiplas raças, desta ou de outras terras, que aqui fundaram uma pátria. Grande demais para ser quebrada.

* Ex-embaixador do Brasil na Itália (e-mail: [email protected])