Para além do trânsito dos votos lulistas e da resiliência do próprio Lula, destaca-se na pesquisa Datafolha o desamparo eleitoral da centro-direita que comandou o impeachment e apostou suas fichas na exclusão do favorito petista. Os dois feitiços podem virar castigo e levar a centro-esquerda para um segundo turno contra Jair Bolsonaro. E aí mora o perigo da tentação autoritária de adiar as eleições. Não seria a primeira vez no Brasil, onde o passado nunca passa.
Na pesquisa realizada depois da prisão de Lula, os candidatos “japoneses” da centro-direita seguem igualados na irrelevância de seus índices: Temer, Meirelles, Rodrigo Maia e outros chapinham entre 1% e 2%.
Geraldo Alckmin, o único que se distingue, tem máquina partidária e apoio do capital, seria o ponto de convergência natural mas tornou-se ainda menos competitivo. Nos cenários sem Lula, ele obtém de 7% a 8% de preferência mas vem atrás de Marina Silva (15%), que emparelha com Bolsonaro (17%), de Ciro Gomes, que chega a 9%, e de Joaquim Barbosa, novidade promissora mais ainda não exposta ao sereno.
Nem mesmo em São Paulo o tucano decola. Deixou o governo estadual com a minguada aprovação de 36% e ali tem 17% de preferência, contra 16% de Bolsonaro e 14% de Marina. Empate técnico.
O desalento eleitoral da centro-direita foi bem percebido ontem pelo mercado: a bolsa fechou em baixa, descolando-se da tendência do dia lá fora. Mas ruim com Alckmin, pior sem ele, pois não há tempo de se fabricar outro.
VOTO TEIMOSO
Para o bloco conservador, festejar a queda de Lula, de 37% para 31%, é um conforto inútil diante desta situação. Quando tantos teimam em externar preferência por Lula, mesmo encarcerado, estão manifestando uma intenção de voto à esquerda, numa resposta punitiva ao processo que começou com o impeachment. Três em cada quatro eleitores de Lula admitem votar em quem ele indicar, bem como 46% de todos entrevistados. Isso não se efetiva na pesquisa a favor dos nomes cogitados mas a hora da transferência ainda está muito longe.
A pesquisa Ipsos divulgada na semana passada apontou um país dividido sobre a prisão de Lula (50% a favor e 46% contra); 73% concordam com a afirmação de que “os poderosos querem tirar Lula da eleição”; 55% concordam que ele é perseguido pela Lava Jato. Estes sentimentos ainda mal traduzidos vão se manifestar nas urna.
No Datafolha, quando Lula é excluído, os candidatos da esquerda também manquejam. Os petistas Jacques Wagner e Fernando Haddad, eventuais substitutos de Lula, ficam com 2% e 1%, respectivamente, Manuela D’Ávila, do PC do B, chega a 2% e Boulos, do PSOL, nem pontua. Mas em algum momento o PT terá de enfrentar o dilema de substituir Lula, e se tiver humildade e bom senso, fará tudo para transformar em frente eleitoral a aproximação propiciada pelo extermínio de Marielle Franco e a prisão de Lula, fora do cânone legal, antes do julgamento de todos os recursos. Se daí surgir uma chapa de unidade e um candidato convincente, ele estará no segundo turno.
Mas aí é que a porca torce o rabo. Em 2014 a centro-direita não engoliu a reeleição de Dilma, jurou que ela não governaria e pregou o impeachment já no dia seguinte ao pleito. Agora também seu lema é vencer ou vencer, mas não tem com quem. Assimilar Bolsonaro seria suicídio. No desespero, a saída pode ser pelo aprofundamento da ruptura, com o adiamento das eleições.
É claro que ainda pode haver um caminho do meio. Marina Silva cresceu mas seu teto hoje é insondável, afora a tibieza de seu partido. Barbosa estreou bem mas seu potencial ainda é mistério. Ciro Gomes reclamava que Lula “tamponava” sua candidatura. Agora os tampões são Marina e Barbosa. Para os três, coloca-se o desafio de se afirmarem como terceira via, agora, possivelmente, não entre PSDB e PT, mas entre a centro-esquerda e a extrema-direita.