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Duas ausências

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A eleição que parecia não chegar nunca finalmente se aproxima. Salvo imprevistos, encerra-se hoje a última semana de ajustes na disputa, com a definição do candidato petista, e começa agora a corrida de três semanas pelas duas vagas no segundo turno. A pesquisa Datafolha de ontem mostrou a força de dois ausentes: em quatro dias como candidato apoiado pelo ex-presidente Lula, Fernando Haddad foi o único a crescer acima da margem de erro, passando de 9% para 13%. Jair Bolsonaro, ausente fisicamente da campanha, passou de 24% para 26%.

O Datafolha não mostrou um “retrato parado”, mas um “take” do filme que rodou esta semana na campanha: Bolsonaro preservou e pode ter ampliado o eleitorado, Haddad está em alta, Ciro Gomes parou de crescer, conservando os 13% que alcançou na segunda-feira, Geraldo Alckmin recuou um ponto (de 10% para 9%) e Marina Silva está em queda acentuada. Já teve 16%, tinha 11% e ontem pontuou 8%.

Tratemos, pois, da situação dos três candidatos que, neste momento, realmente disputam as duas vagas, Bolsonaro, Ciro e Haddad.

A ausência física de Bolsonaro não lhe tirou votos mas trata-se, de todo modo, de uma anomalia. Com a segunda cirurgia, o tempo de recuperação vai ser mais longo. Ainda que não ocorram novas complicações, como uma infecção, só daqui a três meses ele fará nova cirurgia para reverter a colostomia, coleta externa de fezes. Ontem, os médicos o proibiram de falar, para evitar gases e intercorrências, e restringiram visitas e movimentação em sua volta. Seu quadro é estável mas não é simples.

A brigalhada na campanha agora deve cessar agora, diante da certeza de que não contarão com ele no primeiro turno. Seu filho Flávio anunciou numa rede social: “Estamos de volta às ruas! Agora cada um de nós é o Jair Bolsonaro”. A frase ecoa o refrão do PT, “somos todos Lula”. É a campanha dos ausentes. Mas como será o segun do turno, se Bolsonaro, como tudo indica, chegar lá mas não puder fazer campanha? Será uma anormalidade. Mais uma, e será preciso saber lidar com ela.

Para Haddad, o que importa é a velocidade com que se dará a transferência de votos. Parece promissor o crescimento de quatro pontos num prazo de quatro dias, durante os quais ele apareceu em apenas um programa eleitoral como candidato oficial. Mas ele terá que sustentar ou acelerar este ritmo nas próximas três semanas para superar Ciro, deixar todos para trás e se isolar num confortável segundo lugar. O PT ligou sua máquina, o candidato foi para a rua. O jogo corre.

Olho no Brasil

As atenções que o mundo dispensou ao julgamento, à prisão e finalmente à inabilitação eleitoral do ex-presidente Lula devem ser em grande parte creditadas ao trabalho de denúncia e articulação de apoios realizado pelo ex-chanceler Celso Amorim. Viajando, ou valendo-se da Internet e do telefone, ele coordenou manifestos e declarações de personalidades diversos, além de ter sido recebido pelo Papa Francisco.

Como parte deste esforço ele organizou o seminário realizado ontem pela Fundação Perseu Abramo sobre o tema “As ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar”, que contou participantes luzentes do pensamento e da política internacional. Mas foi Lula, disse ele ao final, quem sugeriu o encontro para discutirem os rumos da democracia no mundo. Lá estiveram (além de dirigentes petistas) o linguista Noam Chomsky, os ex-primeiro-ministros Dominique de Villepin (França), José Luís Zapatero (Espanha) e Massimo D’Alema (Itália), o ex-secretário geral da Anistia Internacional Pierre Sané, o ex-chanceler argentino Jorge Taiana, o ex-governador mexicano Cuauhtémoc Cárdenas e o ex-senador chileno Carlos Ominami.

Amorim agradeceu o fato de terem vindo, num sinal de que a democracia brasileira importa para o mundo. E terminou com um chiste: “Algo está errado quando a prisão de uma capital de província é mais visitada que o Palácio do Planalto”. Alguns deles passaram por Curitiba.