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Gol do Fla? Só com milagre

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Jujuba, minha gigantesca dogue alemã, amanheceu nervosa. Andava pra lá e pra cá, na rampa de acesso à casa, e latia forte a qualquer barulho lá fora. Seu nervosismo acendeu o espírito de guarda de meu casal 20, Rin Tin Tin e Jade, pastores alemães, e logo a matilha inteira de Ponderosa estava em polvorosa: Cazuza, o golden retriever; Bentinho, filho de Rintin e Jade; Pretinha e Banzé, os vira-latas adotados da rua, todos começaram uma alaúza da qual só não participou Thorzão, o labrador velhinho que, aos 11 anos, passa mais tempo dormindo que acordado. Sendo dia de jogo do Flamengo, pressenti o perigo. Ele estava por perto...
No que anoiteceu, pimba, o ogro pulou o muro do vizinho e apareceu no meu terreno. Descoberto e perseguido pela cachorrada enfurecida, só não virou “doguitos” porque Antônio, meu caseiro, uma das almas mais caridosas do universo, o conheceu e interveio a tempo de evitar o massacre:
- Olha o seu amigo, aí, doutor! Disse que veio ver o Mengão aqui...

Bagá aprendeu o caminho, já era. E o resfolegante ciclope chegou preocupado. Trouxe até um santinho de São Judas Tadeu, pra reforçar o rubro-negro no primeiro duelo da semifinal da Copa do Brasil:
- É o tal negócio, chefia. Os manos são protegidos de São Jorge, santo guerreiro. O duelo no céu vai ser sinistro...

Escalações confirmadas, o sacrossanto crioulo já começou a reclamar:
- Olha aí a confirmação do golpe do Tite! Fágner escalado. E nós vamos com Paquetá e Cuellar esfalfados pelos amistosos e pela longa viagem. Esse encantador de serpentes de meia tigela não faz mais nem questão de esconder a torcida pelo Timão. Uma vergonha!

Preferi não dar corda no negão. Tratei de entupi-lo de cerveja com pipocas e a fome a sede do ciclope eram tamanhas que a bola rolou em relativo silêncio. No primeiro ataque, Everton Ribeiro experimentou de longe:
- É isso aí, tem que chutar mesmo. Sem essa de ficar de toquinho pra lá e pra cá e chuveirinho. Tem que machucar! – vibrou o alucinado.

Mais um ataque rubro-negro e foi Vitinho quem arrematou, obrigando Cássio a fazer a defesa. O Flamengo começava com a corda toda, imprensando o Corinthians em seu próprio campo.
- É importante fazer logo uns dois gols no primeiro tempo. No segundo, o Cuellar e o Paquetá vão pregar!

A bolinha pipocou na tela e a notícia era de que Barcos marcara pelo Cruzeiro, contra o Palmeiras, no Allianz Parque:
- Boa!!! – urrou o gigante de ébano! Eu quero revanche. Estou com esses mineiros atravessados desde a Copa do Brasil do ano passado! E este ano ainda teve a Libertadores! Quero o Mano na final contra o Mengão!

Mais um ataque do Fla, outro chute de Vitinho, esse passando rente à trave:
- Esse cara ainda vai nos dar muitas alegrias. É quem joga mais pra frente nesse ataque. E chuta sempre que pode – elogiou.

Vinte minutos de jogo e o gol não saía. Irritado, Bagá disparou:
- Chefia, você já viu o Uribe em campo? Eu, não!

O ciclope estava prenhe de razão. Cemitério de centroavantes, o esquema de Maurício Barbieri voltava a isolar demais o atacante. Mas motivo de reclamação mesmo deu Paquetá, ao atrasar mal uma bola na intermediária, levando o Corinthians a ter o primeiro ataque perigoso da partida. Claysson chutou na rede pelo lado de fora. Mais um pouco e em nova ofensiva dos paulistas, Douglas, diante de Diego Alves, errou o alvo.
- Ai, ai, ai, meu São Judas Tadeu. Segura aí o Santo Guerreiro! – começou a rezar o monstro.
O Flamengo dominava, mas esbarrava na conhecida dificuldade de criar no ataque. Após uma série de escanteios, enfim, Paquetá obrigou Cássio a grande defesa. E outra vez o goleiro precisou se esforçar em cabeçada de Uribe, no córner seguinte. Aos 44 minutos, Vitinho foi na linha de fundo e cruzou rasteiro, mas o colombiano chegou atrasado. E o primeiro tempo terminou com o placar em branco:
- Tá complicado, chefia. Como é sofrido pra esse time do estagiário fazer um golzinho... É muito “armandinho” e nenhum homem-gol!

Diagnóstico preciso do ogro. Após o intervalo, o panorama seguia o mesmo. Domínio do Fla, retranca do Corinthians e nada de gol. O tempo ia passando e o máximo que o rubro-negro conseguia eram escanteios. Aos 16 minutos, Diego acertou um bom chute e Cássio espalmou. E Bagá sofria:
- Não tem um jogo, um mísero joguinho que não seja esse desespero! Um elenco milionário pra um rendimento sofrível! Ajuda aí, São Judas!

Orientação divina ou não, o técnico Barbieri resolveu se mexer. Colocou Henrique Dourado e William Arão de uma vez só. Saíram Uribe e Paquetá.
- Agora, só milagre! – concluiu o negão, desolado.

Apesar da pressão rubro-negra, a dádiva não veio e o colosso de ébano, coçando a carapinha, se despediu, desiludido:

- Chefia, com esse estagiário inocente e esse jogo sem-vergonha de toquinhos pros lados e pra trás, não vamos ganhar nada este ano.

Difícil discordar do meu indesejado visitante. A menos que São Judas Tadeu produza um milagre em forma de gol rubro-negro no jogo da volta. No Maracanã, a retranca de São Jorge e a ineficiência do ataque do Flamengo garantiram o 0 a 0.