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"Ser obrigado a assistir aos telejornais na prisão é uma pena acessória"

José Peres -
Dirceu reclama ausência de pluralidade na grande mídia
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A coluna a seguir traz a segunda parte da entrevista de Hildegard Angel com José Dirceu. Clique aqui para ler a coluna de ontem (04/09) com a primeira parte da entrevista. 

José Dirceu tem um olhar otimista em relação a um próximo fim das transgressões do Código Penal pela Lava Jato. Ele vê uma “corrente forte” do Supremo nesse sentido, a partir da decisão que acabou com a condução coercitiva ilegal, e de certa maneira colocou restrições à delação, que sem provas não tem valor. Para ele, que cumpriu quase dois anos de pena sem trânsito em julgado, é ótima notícia. Outra coisa que, segundo pensa, será ajustada, é o exagero da dosimetria das penas - “Há uma clara consciência de que muita pena prescreveu, no meu caso, com mais de 70 anos, a prescrição cai pela metade, e a dosimetria que me coube está totalmente fora do que estabelece a lei.” Ele recebeu pena de 29 anos em um processo e de 11 anos e três meses no outro. Esta última pena, segundo diz, “é mais surrealista, mais kafkiana”, já que a Petrobras declarou que não houve fraude e não houve direcionamento de licitação. O juiz Moro inocentou a Petrobras, inocentou a empresa que fez a licitação e o delator. E condenou Dirceu, porque Julio Camargo disse que ele voou 113 vezes em seu avião. Porém, a defesa apresentou provas de que naquele período e naquela soma deviam ser considerados os voos de mais 25 empresas, no mesmo avião por nove meses. O próprio dono do avião voou metade do tempo. Considerar que o avião não era do consultor delator, que o adquiriu após aquele período, e ainda pagou a dívida do proprietário anterior. Considerar que Dirceu voou com o proprietário anterior. O mesmo Julio Camargo disse que Renato Duque, diretor da Petrobras, pediu-lhe que desse a Zé Dirceu quatro milhões de reais. Renato Duque inocentou Dirceu. Desses “quatro milhões”, 2,5 milhões desapareceram no meio do processo, ficando R$ 1 milhão e 500, valor total dos 113 supostos voos, que ele “não voou”, pelos quais restou a Dirceu ser condenado nesse processo “muito sem provas” a 11 anos e três meses.

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Dirceu reclama ausência de pluralidade na grande mídia (Foto: José Peres)

Suas considerações sobre o golpe...

José Dirceu – O golpe rasgou o pacto político e social de 1988, a Reforma Trabalhista, a Previdenciária, o teto de gastos... Eles estão jogando pela janela o estado de bem-estar social que foi recém construído no Brasil. Mas isso não vai ficar impune, não é? Vai haver luta no país contra isso. Afetando as condições de vida da imensa maioria, dos trabalhadores, vai haver luta, como houve nas décadas de 70 e 80.

Greves?

Greves.

Guerrilheiros?

Não há mais espaço para isso hoje. O que tem que haver é luta popular, como eles (que deram o golpe) fizeram. Ocupar as ruas, as praças, pressionar o Congresso. Não foi assim que fizeram? Nós temos que fazer o mesmo. Para chegar no Governo e fazer o que o Brasil precisa, é necessária uma grande mobilização.

Como se faz uma grande mobilização com os sindicatos enfraquecidos e sem o apoio da mídia?

Nós já fizemos na ditadura, e era muito pior, mas nós conseguimos fazer. Os sindicatos têm que ser recriados, com base na adesão dos trabalhadores. É um mal que vem para o bem. Porque agora eles cortaram (na carne dos sindicatos) sem transição, para impedir a luta contra as reformas e em oposição a eles. Porque os sindicatos, independente da Central Sindical, não concordariam. Como não concordaram com a Reforma Trabalhista ou a da Previdência. Uma coisa é a Reforma da Previdência no serviço público, outra coisa é a Reforma da Previdência na iniciativa privada. Déficit tem, como em qualquer país do mundo, dependendo do ciclo econômico. Porque, quando o ciclo econômico está ascendente, como no período do Lula, a Previdência apresenta superávit. Quando está descendente, com aumento do desemprego, ela dá um déficit.

Qual é o verdadeiro problema do país, então?

O verdadeiro problema do Brasil são os juros. A estrutura tributária, a dívida pública. São os juros que pagam o Legislativo, é isso o que inviabiliza que o Estado brasileiro possa financiar ou o desenvolvimento do país ou a Previdência, a saúde e educação. Porque, se olhar, há uma suga de R$ 300 bilhões para pagar juros internos para 17 mil pessoas físicas e jurídicas. Outra coisa, quem paga imposto no Brasil é a imensa maioria dos consumidores e parte dos prestadores de serviço. Os dividendos, lucros bancários, a alta renda, a propriedade, a fortuna e a herança pagam impostos irrisórios.

E nos meios de comunicação?

O problema do Brasil hoje, nos meios de comunicação, é que não existe pluralismo ou diversidade.

Qual foi o erro principal do governo de vocês em relação à Globo e a mídia hegemônica?

É que nós não debatemos publicamente o Brasil. As lideranças não falam com a sociedade com clareza. Por exemplo: quando se tenta estabelecer um jornal, eles fazem dumping de publicidade, eles controlavam a distribuição... Agora, é eletrônico, é digital, eles não vão poder controlar mais. Não existe reserva de mercado como existe em TV, rádio e imprensa.

Como você analisa o conteúdo do atual telejornalismo?

Hoje não existe mais informação na televisão. No noticiário, ficam dando a posição deles sobre tudo. E ninguém perguntou para o Bonner qual a opinião dele. A Globo tem que dar opinião editorial, tem que dar informações e, quando der opinião, tem que dar o pluralismo e a diversidade, o contraditório.

Você assistia aos telejornais na prisão?

Eu falo que é uma “pena acessória da televisão”. É insuportável que o preso tenha que assistir ao Bonner e ao Boechat. Você tem que assistir, fazer o quê? E eles ficam lá, dando opinião sobre tudo. Tentando convencer das posições da Família Marinho. Aquilo é um comércio. Agora, começaram essa coisa de Fake News. São eles, com medo das redes (sociais). É lógico que têm que ter medo. Mas por que essa campanha toda? Medo das redes, da independência das redes, da liberdade das redes. Ora, eles não foram contra o diploma dos jornalistas?

E o que vocês queriam para o Brasil?

O que é que nós queríamos? Que o Brasil passasse a ser exportador de tecnologias, serviços e capital. É um salto que qualquer país dá. E nós estávamos começando a fazer isso, a Lava Jato destruiu tudo isso. A Lava Jato e a política desse governo de tirar o BNDES de tudo. Não privatizaram o BNDES, mas o estão diminuindo. A proteção do BNDES é nada. Agora, eles são contra qualquer subsídio. Menos do agronegócio. Porque pode dar subsídio ao agro altíssimo, os juros são subsidiados.

Por quê?

Porque, primeiro por causa da segurança alimentar; segundo, porque eles têm poder político, têm maioria na Câmara e no Senado, elegem governadores, presidentes. Porque o Lula deu subsídios ao agronegócio, mas deu para a agricultura familiar também. Ele criou as condições para a agricultura familiar ter as condições que tem hoje. Por que não pode dar para a indústria? Por que não para o setor de infraestrutura? Porque nós estamos estimulando empresas brasileiras a se internacionalizarem.

Como você vê tantos milionários candidatos?

Eles autorizaram os candidatos a financiar suas campanhas até o teto, antes era só até 10%. Então autorizaram dinheiro privado, de empresa. Lógico, quando é senador, governador, eles colocam sete, 20 milhões de reais. Quando é deputado, eles colocam dois milhões e meio de reais, e todo mundo sabe que eles não vão gastar dois milhões. Há outra coisa mais grave: hoje se compra voto no país todo, porque eles permitiram essas emendas impositivas. Os beneficiários, governadores, prefeitos, depois financiam as campanhas de deputados, vereadores. O STF, os ministros vivem em uma ilusão, não sabem qual é a realidade do país nessa compra de votos. A fixação é manter o Lula preso.

Depois de Lula você seria o candidato do PT à Presidência. O Mensalão inviabilizou. Você se sente vitorioso ou perdedor?

Me sinto vitorioso, vencedor. O fato de nós termos governado o Brasil e ter tido os avanços que conquistamos. E hoje o Lula ganharia uma eleição em primeiro turno! Esse é o verdadeiro julgamento do Lula: deixar ele ser candidato e o povo julgava. A minha geração foi uma geração de vencedores. Realizamos o sonho de retomar o fio da história, com reformas sociais no Brasil, e de redemocratizar o país. E a questão da democracia está colocada de novo. E a das reformas, de novo. Qualquer programa só será vitorioso se tiver uma grande estruturação popular. Essa é a grande lição que nos temos que tirar.

O que ficou faltando fazer?

Nem o Lula, nem o PT e nem as principais lideranças mobilizaram forças populares, que eram beneficiárias do nosso governo, para que elas defendessem esse governo e o patrimônio de conquistas sociais que estava sendo construído por nós.

Quais os caminhos para reduzir a violência?

Um deles é deixar de instigar a população contra os presidiários para tratá-los como animais. A consequência é existir o PCC, é o que está acontecendo aqui no Rio. Tratá-los como animais, em vez de dar aos presos estudo, trabalho, tratamento rigoroso e disciplinado, sim, mas com dignidade. O preso tem que cumprir pena, só isso. Ele não merece ser maltratado. Agora, você quer humilhar o preso, deixar ele pisando em sabugo, em cela superlotada, com comida estragada, sem acesso à Justiça, depois não reclame que você está sendo assaltado na rua, que sua casa está sendo invadida, que tem latrocínio, que tem estupro. Porque vai bestializando a sociedade.

Estamos chegando a esse ponto

E a pregação da violência, a pregação do ódio vão transformando a sociedade em uma sociedade sem lei. Essa história de armar todo mundo! Eu andei armado muitos anos na vida. Você tem que limpar a arma todos os dias, senão ela não funciona. Você precisa treinar. O que postulam é a barbárie, a sociedade está começando a tomar consciência..

Se você chegasse ao poder hoje, qual seria a primeira medida?

Dar anistia para o Lula.

E a segunda?

A coisa mais importante é começar um processo, e viajar por todo o país, para mobilizar a sociedade para fazer uma reforma no sistema bancário e financeiro, uma reforma tributária, política, e da liberdade de informação, o que não é controle de imprensa. Porque é preciso que a informação esteja ao acesso com muita pluralidade, diversidade, e com muitas fontes, e não possa ser só alguns grupos familiares e suas oligarquias políticas que dominam a mídia brasileira. E a estrutura tributária tem que ser virada de cabeça para baixo. Esse sistema político precisa ser substituído por outro, está podre. O problema com o mercado financeiro, e todo mundo sabe, é que não se pode simplesmente fazer uma intervenção nele, não é isso. A pergunta que tem que ser feita para o país é a seguinte: os trabalhadores estão arcando com o custo da crise. E os ricos, não vão arcar com nada?

Eles deram o golpe para isso...

Não querem? Muito bem. Então eles que arquem com as consequências, porque haverá luta neste país, e haverá enfrentamento social. E como já provamos, eles cairão conforme a ditadura caiu, mais cedo ou mais tarde. E quando eles caírem vai haver uma profunda e radical reforma, que foi feita no século XIX na Europa: que é tributária, política e da propriedade. Não é para acabar com a propriedade ou tirar propriedade, é para democratizar. Os monopólios dominam o Brasil. É só olhar para o país.

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JOSÉ DIRCEU se considera vitorioso em suas lutas e dá como uma das referências o PT: “É o partido mais votado para a Câmara dos Deputados. É o partido da preferência da metade dos brasileiros, que tem preferência partidária, e tem 32% de eleitores entre 16 e 34 anos, e 29% no conjunto dos eleitores.”

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Com João Francisco Werneck

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