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Uma reflexão sobre a justiça, os presos e as prisões 

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Começo esse artigo com a reflexão de Roberto Damatta sobre o abandono nos presídios “(...). Que os bandidos estão dentro e fora das prisões e que em todas há regalias e privilégios. Na grande prisão chamada Parlamento, que os idiotas ainda ordenam(...)”. Escolhi esta frase de um texto do sociólogo sobre as chacinas ocorridas nas últimas semanas em alguns presídios. A escolha se deu para que possamos, antes de continuar a leitura deste artigo, parar e refletir que não é só na cadeia que temos bandidos, mas que os mais perigosos criminosos não estão apenas soltos, mas dando as cartas neste país, ordenando e vivendo com todas as regalias, tirando a vida de milhões de brasileiros.

O que vejo nos últimos dias é que pior do que sentir a tristeza da chacina que matou dezenas de presos brutalmente, é sentir a vergonha de assistir milhares de pessoas apoiando tamanha violência. Uma tristeza. São muitos desejando e incentivando a chacina em outros presídios, como se não fosse crime tirar a vida de alguém. Muitos defendem: “Vamos matar todos, assim nos livramos dos criminosos”. Na frase “Vamos matar...”, quem é o sujeito criminoso?

Outros sujeitos nomeados para nos representar e nos defender em suas funções políticas, recebendo dinheiro público, também se manifestaram a favor da morte dos presos, mas sem tocar no assunto de suas longas fichas criminais e envolvimentos em escândalos de corrupção. Afinal, bandido bom é bandido morto, desde que seja pobre, favelado e de preferência negro, não é mesmo?

Para os pobres defendem a morte, a superlotação, doenças e todos os males do presidio. Já para os que desviam milhões, basta apenas uma tornozeleira e um passe livre para suas casas e mansões, onde desfrutam do que foi roubado, é claro, regado a um bom e velho whisky. Tudo isso roubado da saúde, da educação, da segurança, roubado do povo que mais precisa. 

No Rio de Janeiro, por exemplo, vivemos com prisões superlotadas, com falta de todos recursos básicos para sobrevivência, onde morrem centenas de presos.  Segundo relatório do promotor Murilo Nunes de Bustamante (Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Ministério Público do Rio) a população de presos no Rio cresceu cerca de 50% em apenas três anos. O número de vagas não cresceu nada considerável. Ele acrescenta que faltam insumos e o pagamento de fornecedores estão atrasados. Uma situação insustentável que deixa vulnerável a acontecer o que aconteceu em outros estados. 

O problema deve ser resolvido, mas não apenas com criação de novas vagas em cadeias. Com a desigualdade que vivemos, o número de presos continuará sendo insustentável. O que deve ser feito é investir na prevenção, oferecendo condições para que os jovens de nosso Brasil sejam inseridos e conquistem seus espaços com dignidade. O que será um processo longo, mas eficaz. 

É preciso também rever a política de combate às drogas, evitar prisões desnecessárias e aplicar penas alternativas que sejam eficazes. Além de prender, é preciso ocupar os presos, formando-os, e oferecendo trabalho em troca de redução da pena e também da geração de renda, para que ele possa sustentar sua família e suas obrigações e, ainda assim, se torne um cidadão. É preciso ir além, com a integração entre políticas de educação, trabalho e penas alternativas.

Hoje a cadeia é escola para marginal. Quem entra corre todo o risco de sair ainda mais criminoso.  É preciso também reinserir os que saem do sistema prisional, com oportunidades de emprego, evitando a reincidência, hoje algo muito comum no Brasil. O Ipea (2015) revelou que um em cada quatro presos voltam a cometer crime em um prazo de cinco anos. Ou seja, estamos fazendo tudo errado. O Brasil prende errado, julga errado, pune errado, tem muitos gastos com o sistema prisional, não tem controle das prisões, e depois de todo erro, o resultado é que muitos que cometem crimes voltam a cometer. 

O Brasil é o quarto país com maior número de presidiários e está caminhando para aumentar esse índice cada vez mais. E cabe ressaltar quem são esses presos. São os pobres. O Infopen (2016) revelou que mais de 60% dos presos são negros e a maioria apresenta um baixíssimo grau de escolaridade. As pesquisas revelam que os perfis da maioria dos presos no Brasil são jovens, pobres, negros e com baixa escolaridade o que comprova que algo, ou melhor que muita coisa, está errada neste país - a desigualdade social.  Vale lembrar que ninguém nasce bandido. 

* Davison Coutinho, morador da Rocinha desde o nascimento. Bacharel em desenho industrial pela PUC-Rio, Mestre em Design pela PUC-Rio, membro da comissão de moradores da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, professor, escritor, designer e liderança comunitária na Comunidade