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Muito além do futebol: Copa é oportunidade para Rússia se mostrar mais aberta e amigável

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Uma Copa do Mundo nunca é apenas uma Copa do Mundo. Em 1978, na Argentina, a junta militar liderada pelo general Jorge Rafael Videla usou a competição para mascarar os crimes do regime. Em 2006, na Alemanha, o Mundial era a comprovação do sucesso da reunificação do país após a queda do Muro de Berlim. Em 2010, na África do Sul, o evento coroava o fim do apartheid e do isolamento da nação. Já em 2018, os gramados russos não serão palco apenas para Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo, mas plataforma para a política externa de Vladimir Putin, o todo poderoso chefe do Kremlin. 

“A Copa é uma estratégia para a Rússia se mostrar mais aberta, um país mais amigável, assim como ocorreu nos Jogos de Inverno de Sochi, em 2014”, afirmou Dmitri Trenin, presidente da organização independente  Carnegie Moscow Center e ex-general do Exército Vermelho, durante evento realizado na Escola de Guerra Naval, no Rio de Janeiro, em maio. 

No entanto, ao contrário de Sochi, o sucesso do Mundial para a Rússia não está atrelado ao bom desempenho esportivo. O futebol não é muito tradicional no país, ao contrário de esportes como o hóquei no gelo. Após os Jogos de Inverno de 2014, 43 atletas russos foram banidos das competições por uso de doping, embora recursos judicais tenham retirado as condenações de 28 deles. Mesmo assim, o Comitê Olímpico Internacional considera que houve uma campanha estatal para dopar atletas e melhorar a performance do país, e impediu a participação russa nos Jogos de PyeongChang de 2018. 

Outra diferença em relação a 2014 é que a Rússia, na ocasião, tinha acabado de anexar a região da Crimeia, na Ucrânia, e era acusada de enviar soldados para lutar em uma guerra separatista no leste do país. “Em Sochi, a crise da Crimeia acabou coincidindo com a competição. A boa imagem da Rússia acabou ofuscada na mídia ocidental, que se voltou para questionar os direitos humanos. Com a Copa, a intenção é mostrar que Moscou não está mais isolado”, explicou Trenin. 

Isso não significa que agora não existam críticas. A ONG Human Rights Watch, por exemplo, questiona a realização da competição. Segundo a organização, o governo local “usa de maneira habitual leis restritivas para reprimir as liberdades de reunião, de associação e de expressão”. Além disso, muitos acusam Putin de ser um czar moderno. Apesar da oposição externa, a popularidade do dirigente é imensa dentro de seu território. O ex-espião da KGB acaba de vencer com facilidade as eleições presidenciais, conquistando seu 4º mandato. O político está no poder desde 2000. Na diplomacia, a Rússia se consolidou como uma força internacional, apoiando o regime de Bashar al-Assad, na Síria, e rivalizando com as potências ocidentais. 

“A Copa serve para que Putin apresente uma Rússia mais segura e estável, do ponto de vista econômico e social. Não deixa de ser uma ferramenta do que chamamos soft power – uma oportunidade de expandir o poder sociocultural do país”, diz Beatriz Pontes, mestranda em Relações Internacionais da Uerj. 

Mas a pesquisadora ressalta que pelo fato de não ter uma economia tão estável, a Rússia enfrentou problemas como atrasos de entrega, denúncias de corrupção e desmoronamento de estruturas: “Mesmo assim, Putin ainda consegue vender a propaganda positiva de um grande evento”.

Pontapé inicial com jogo de azarões

Já são oito meses – e sete jogos – sem vencer. Apesar de o governo do país-sede não cobrar um grande resultado de sua seleção, sempre existe a pressão para um bom desempenho da anfitriã: a Rússia inaugura, hoje, a Copa do Mundo contra a Arábia Saudita, às 12h, no Luzhniki. A abertura oficial do evento começa meia hora antes, com participações de Ronaldo e do cantor Robbie Williams. Amanhã, às 9h, Egito e Uruguai fecham a primeira rodada do Grupo A, em Ecaterimburgo. Os donos da casa sorriram para o sorteio da tabela, que colocou os russos para estrearem contra uma das seleções mais fracas do Mundial. 

A Rússia,  dessa forma, corre menos riscos de protagonizar uma inédita derrota da anfitriã na primeira rodada da competição.

Em todas as 20 Copas, são 14 vitórias e 7 empates para países nessa situação – a de 2002 teve duas sedes. Em 2010, a África do Sul se tornou o primeiro país sede a não se classificar para a segunda fase da competição. 

Para chegar às oitavas de final, a Rússia precisará superar, além da Arábia Saudita, a seleção do Egito, que concentra todas as esperanças em Salah. O craque do Liverpool deverá atuar com limitações físicas durante a primeira fase, fator que permitiu os anfitriões sonharem com um avanço que parecia improvável no momento da definição dos grupos. Contra o Uruguai, na última rodada, o que vier será lucro para a equipe de Stanislav Cherchesov.

O técnico russo, por sinal, está bem otimista. “Compreendo a preocupação, mas ninguém deveria estar preocupado. Espero manter o meu emprego nos próximos anos”, brincou. O retrospecto desde que assumiu a seleção em agosto de 2016, no entanto, não inspira confiança: cinco vitórias, seis empates e nove derrotas.

Para a Arábia Saudita, uma vitória já seria de enorme valia. Em quatro participações no torneio mais importante do futebol, a seleção somou seis pontos e foi às oitavas em 1994, em sua estreia, mas depois só conseguiu dois empates – um em 1998 e outro em 2002. “Meu estilo é ser competitivo. Quero brigar por cada bola, aproveitar cada ocasião, jogar para ganhar”, prometeu Juan Antonio Pizzi, argentino que comanda os sauditas.

Rússia: Akinfeev, Mário Fernandes, Granat, Ignashevich, Kudryashov e Zhirkov; Samedov, Zobnin, Golovin e Aleksei Miranchuk; Smolov. Arábia Saudita: Al-Mosailem, Al-Shahrani, Omar Hawsawi, Osama Hawsawi e Al-Harbi; Otayf, Al-Jassam, Al-Muwallad, Al-Shehri e Al-Dawsari; Al-Sahlawi. Juiz: Néstor Pitana (Argentina).