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Com 'Sim', Luiz Roberto Nascimento Silva une poesia, experiência visual e sensorial

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Luiz Roberto Nascimento Silva, que publica seu novo livro intitulado sugestivamente Sim, foi ex-ministro da Cultura do governo Itamar Franco, ex-secretário de Cultura de Minas Gerais do governo Aécio Neves. Advogado, poeta e escritor, é um pensador do Brasil e do mundo. Mas, segundo ele mesmo, “escreve muito e publica pouco”.

Tanto que, depois de publicar seu primeiro livro, ficou mais de 15 anos sem escrever poesia. E só voltou à rima e à métrica, porque João Cabral o estimulou.

Acha natural a escolha de Bob Dylan como Nobel de Literatura, porque mesmo tendo tido seu espaço reduzido, a poesia continua a ser a última trincheira da linguagem e da literatura.

Vamos lá, então (esse entrevista foi realizada por e-mail):

Luiz Roberto, fale-me de seu novo livro?

Luiz Roberto: Reinaldo, o Sim é o meu nono livro individual e o meu sexto livro de poesia. Participo também de algumas antologias. Publiquei também alguns trabalhos jurídicos, mas que não compõem a minha obra literária.

É seu primeiro livro pela Bem-Te-Vi, não é?

Luiz Roberto: É. E muito legal. A Bem-Te –Vi, sob o comando da Vivi Nabuco, tem cumprido função importante no mercado editorial publicando obras fundamentais, lançando novos títulos ou mesmo editando obras que preenchem lacunas importantes. De outro lado, ter o Sebastião Lacerda como editor é um luxo. Sebastião talvez seja dos últimos publishers do país. Alguém que conhece profundamente literatura, que foi responsável pela maravilha que foi a Nova Fronteira, a Lacerda Editores e a Nova Aguilar. Amigo pessoal de escritores como João Ubaldo e João Cabral o que demonstra quão integrado à produção literária brasileira ele é.

Você me disse, antes de começar essa entrevista, que gostaria de falar de uma passagem curiosa e importante de sua vida sobre a qual nunca falou.

Luiz Roberto: É verdade. Publico poesia desde de muito jovem. Meu primeiro livro O Segredo da Lua,  foi editado em 1975  Depois, participei da antologia Águas Emendadas, com outros autores em 1977. Decidi, na ocasião, afastar-me da literatura para me dedicar ao Direito, com o objetivo de ser um grande advogado. Cismei que o tempo que eu dedicava à literatura atrapalharia a minha formação como advogado. Fiquei quase 15 anos sem escrever poesia. Hoje, não tenho certeza que fosse necessário algo tão radical, mas tomei essa decisão. Depois de vencer alguns concursos de Direito, trabalhar duro e me firmar como advogado, voltei aos poucos a escrever de novo. 

Curioso, pois eu nunca soube disso.

Luiz Roberto: Mas há uma passagem muito curiosa e importante para meu destino como escritor. Em 1988, fui ao Paço Imperial para a noite de autógrafos do João Cabral, que lançava seu Museu de Tudo. A noite já estava no final quando eu apresentei o livro com a tira com meu nome e ele perguntou se eu continuava a escrever e que tinha gostado do meu primeiro livro. E para minha surpresa, ele fez uma dedicatória seca e concisa, como era seu estilo, mas com o recado: “Ao Luiz Roberto, com o pedido de que volte à poesia”.  Foi uma ordem. Peguei os poemas que estavam na gaveta e voltei a trabalhar com vigor. Poucos anos depois, em 1992, publiquei Arco da Manhã, um livro muito bonito com ilustrações do Manabu Mabe. A partir dele, não parei mais de escrever poesia.

E alguma coisa mudou no seu trabalho como poeta?

Luiz Roberto: Acho que sim. Procuro fazer uma poesia que não se limite à solução sonora da rima. Não basta o domínio formal do verso. É preciso mais. É preciso que esse verso leve o leitor a uma experiência visual e sensorial também. Conseguir surpresa, concisão verbal e força visual esse: é o grande desafio.

Na página final do “Sim”, você tem notas sintéticas, como se fosse um apêndice. Qual a razão dessa fórmula?

Luiz Roberto: Reinaldo, no último livro de poesia que publiquei, O Alfabeto da Devassa, já tinha introduzido notas. São singelas. Não ultrapassam uma página. Os poemas podem e devem ser lidos sem elas. Penso que quem trouxe isso primeiro foi o T.S. Elliot com seu The Waste Land, publicado em 1922. Curiosamente nesse mesmo ano Joyce publica Ulysses que revolucionaria a ficção. Elliot entendeu que era crucial equacionar o problema das fontes e citações. Todo escritor de qualidade é sempre um grande leitor. A arte se faz sempre por tradição e ruptura. Só a tradição não cria. Só a ruptura sem conhecimento da tradição não inova. Penso que notas assim sejam antes de tudo um exercício de honestidade intelectual pelo qual o próprio autor indica suas fontes. Você verá que elas são de duas natureza. Algumas são referências explícitas quando me refiro e incorporo algum verso ou frase de um autor que admiro. Outras são alusões, referências que me ocorreram naqueles poemas sendo algumas até não literárias, como a alusão a um filme do Hitchcock.

O que você achou do Prêmio Nobel ao Bob Dylan?

Luiz Roberto: Achei ótimo e absolutamente natural. Penso que as reações de alguns setores literários são erradas. Estão na verdade lutando por espaços mais do que pela literatura em seu sentido amplo. Parece não haver dúvida que Dylan como poeta é insuperável. Por que a premiação da Academia gerou tanta polêmica? Porque uma parcela de escritores e críticos literários tende a vê-la como uma invasão de territórios. O que muitos estão esquecendo é que o Nobel com toda sua importância é um prêmio. O que mais importa é a obra, nela que a criação deve ser examinada. A Academia não premiou James Joyce que modernizou o romance, nem tampouco Jorge Luis Borges maior escritor em língua espanhola na ocasião. Ambos hoje são lidos, estudados e traduzidos no mundo todo. A obra venceu. Vários agraciados por outro lado perderam-se no mais completo esquecimento

Você acha que isso é uma prova de que alguns músicos produzem ótima poesia?

Luiz Roberto: É claro.  Em meu último livro A Nova Peste num dos ensaios, abordei essa questão da redução do espaço da poesia escrita na contemporaneidade. Parte do esvaziamento do gênero e de seu confinamento deveu-se a uma radical mudança de percepção e do consumo da arte numa sociedade de espetáculo. Não há mais espaço para a poesia da forma como ela pretendia ser entendida. Surgiu um novo deslocamento no processo de criação poética que se transferiu da palavra escrita para a palavra cantada, aproximando-se do conceito de melopeia ao qual Pound se referia no seu “ABC da Literatura”. Pound insistia que a poesia apodrecia quando se afastava muito da música e que a música se atrofiava quando se afastava da dança.

Fale de nomes concretamente.

Luiz Roberto: No ensaio, cito nominalmente Bob Dylan como um dos maiores poetas vivos em língua inglesa, autor de inúmeras obras-primas. John Lennon também. Jacques Brel em língua francesa. Em língua portuguesa no Brasil Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Caetano Veloso trouxeram invenção e criatividade para o verso cantado numa dimensão antes não imaginada.

Como você se vê o panorama da poesia brasileira?

Luiz Roberto: Penso que tenho uma obra consistente. Ao menos desde da publicação de A Flauta Vertebral, em 1999, que considero o livro de minha maturidade poética, venho produzindo um trabalho que reúne concisão, surpresa e rigor. Freud dizia que o homem que não tinha pressa, não precisava fazer concessões. Tenho isso como uma bom conduta.

Você escreve com regularidade?

Luiz Roberto: Eu escrevo praticamente todos os dias. É claro que não apenas poesia. Escrevo meus artigos, respondo e-mails, escrevo ensaios, tudo enfim. Como sempre escrevo muito e publico pouco. Só publico o que realmente tenha densidade, tenha qualidade. Trabalho obsessivamente. O Sim consolida poemas de 2008 a 2014. São seis anos de produção num livro de poucas páginas. O intelectual brasileiro que não vive de escrever, não tem necessidade de ficar publicando tudo que escreve. Deve editar apenas o melhor. O Drummond tem um verso que diz: “o que se partiu, cristal não era”. Tento publicar o cristal.

Algum livro novo?

Luiz Roberto: Sempre que termino e publico um livro tenho a impressão que não escreverei mais nada e que não tenho mais nada a dizer. Aliás, senão não tiver, simplesmente não escreverei. Nesse momento estou concentrado em divulgar o Sim e desejando que os leitores o descubram e gostem dele.Tenho certeza que nossa entrevista irá ajudar.