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Cannes perdoa Lars von Trier e acolhe o Quixote de Terry Gilliam

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Disposto a tudo para desbancar a concorrência de eventos mais conectados ao Oscar, como os festivais de Veneza e Toronto, Cannes aceitou voltar atrás em duas decisões anunciadas como irrevogáveis em anos passados – banir o diretor dinamarquês Lars von Trier de suas mostras e cancelar sessões de encerramento - a fim de transformar sua edição .71 (agendada de 8 a 19 de maio) no maior acontecimento cinematográfico da Europa em 2018.

Nesta quinta-feira, a direção artística de Cannes anunciou que “The house that Jack built”, thriller de Von Trier com Matt Dillon de psicopata, será projetado hors-concours. Anunciou ainda uma projeção de “The man who killed Don Quixote”, de Terry Gilliam (de “12 macacos”), para encerrar seu cardápio do ano, após a entrega da Palma de Ouro e demais prêmios por um júri chefiado pela atriz australiana Cate Blachett. Ambos os cineastas são polemistas profissionais e já causaram dor de cabeça à organização cannoise ao longo das últimas duas décadas.

Laureado com a Palma em 2000 por “Dançando no escuro”, Von Trier foi banido do balneário em 2011, com o título de persona non grata, depois de ter feito comentários ofensivos ao povo judeu, numa brincadeira sobre Hitler. Fez troça de Cannes por essa decisão, quando foi exibir “Ninfomaníaca” no Festival de Berlim de 2014. Mas a forte expectativa do mercado exibidor de filmes autorais em torno de “The house that Jack built” levou a Croisette a voltar atrás. Dillon interpreta um assassino que, ao longo de anos, leva uma vida de perversões em segredo, fingindo ser um homem de bem.

Gilliam, por sua vez, criou confusão ao tentar ludibriar o produtor português Paulo Branco (de “Cosmópolis”) na feitura de “The e man who killed Don Quixote”, uma adaptação livre da prosa de Cervantes, que levou quase 20  anos para sair do papel. Acabou processado e finalizou o projeto do mundo que Branco exibiu. Nem ele nem Von Trier vão competir nesta edição, cujo filme de abertura será “Todos lo saben”, drama familiar do iraniano Asghar Farhadi (de “O apartamento”), rodado em Madri e falado em espanhol, com Penélope Cruz, Ricardo Darín e Javier Bardem. Mas há novas aquisições na disputa da Palma, como “Un couteau dans le coeur”, do francês Yann Gonzalez, e “Ayka”, do cazaque Sergey Dvortsevoy (o mesmo do cult “Tulpan”). E há um destaque de peso na competição é o regresso do diretor turco Nuri Bilge Ceylan, laureado diversas vezes no evento, inclusive com a Palma de 2014, por “Sono de inverno”: ele volta agora com “The e wild pear tree”.

Nas seções de meia-noite, entraram o documentário “Whitney”, sobre a cantora Whitney Houston, e a sci-fi da HBO “Fahrenheit 451”, com Michael B. Jordan (o vilão Killmonger de “Pantera Negra”). O Brasil, que emplacou uma sessão especial de “O Grande Circo Místico”, de Carlos Diegues, em tributo a Cacá, ganhou um reforço. Entrou em campo uma parceria entre Minas Gerais e Lisboa: “Chuva e cantoria na Aldeia dos Mortos”, do aclamado cineasta português João Salaviza (“Montanha”), que aqui dirige em parceria com a realizadora brasileira Renée Nader Messora. 

O filme foi rodado durante nove meses, em película 16mm e sem equipe profissional, na aldeia Pedra Branca, Terra Indígena Krahô, no Estado do Tocantins. A filmagem foi precedida por uma longa relaç ã o de proximidade de René e com o povo Krahô , que se iniciou em 2009, aos quais se juntou posteriormente Salaviza. A produção acompanha Ihjãc, um jovem Krahô que apó s um encontro com o espírito do seu falecido pai se vê obrigado a realizar sua festa de fim de luto. Cannes anuncia novos títulos para diferentes seções até o dia 1º de maio.

* Rodrigo Fonseca é roteirista e presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ)