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Artista de rua usa imagem de celebridades negras em quadros clássicos para questionar racismo

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Com um toque de humor que, quando faz rir, provoca incômodo, Alberto Pereira retrata personalidades negras em quadros dos séculos XV ao XVIII. “A gente estranha - e não era para estranhar - quando vê uma figura preta assumindo o papel desses nobres”, frisa o artista de rua carioca, justificando: “Nunca fomos apresentados e convidados a ter esse tipo de visão. É irônico porque as pessoas pensam em nobreza africana num aspecto tribal, daquele estilo corpo pintado em uma tribo falando ‘uga uga’”, diz.

Alberto reeditou o projeto - criado em 2015 - com 31 novas obras em alusão ao mês dos 130 anos da abolição. “Negro nobre” usa a arte para mexer com uma dívida histórica. Os quadros clássicos da arte no Brasil e no mundo dificilmente retratam pessoas negras em suas telas e, quando o fazem, é pela condição de escravidão enfrentada por milhões de nativos africanos durante séculos. Alberto diz que “brinca de ressignificar as coisas”, mas lembra que qualquer coisa pode ter mais de um significado.

“Algumas pessoas comentaram que eu estava colocando pretos no lugar de opressores. Meu papel é fazer e doar. Se foi feito, está livre para interpretações. Eu quero gerar algum tipo de consciência e raciocínio sobre o que foi visto”, explica. 

“Negro nobre” já foi apresentado em exposição em 2015, 2016 e 2017, em Juiz de Fora, João Pessoa e em diversos eventos no Rio. Entre as celebridades retratadas pelo projeto destacam-se nomes como Lelezinha, Zezé Motta, Iza, Liniker, Rincon Sapiência, Lázaro Ramos, Rico Dalasam, Exu dos Blues e duas versões de Black Alien. Nesta edição, Alberto destacou a arte feita com a cantora trans Linn da Quebrada. “Todos que quebram o padrão usual de gênero são mais especiais”, avalia. 

A ideia surgiu através de uma brincadeira feita pelo artista, de 29 anos, que também é negro, com sua própria foto de perfil no Facebook. Para conceder essa nobreza às celebridades, Alberto as coloca assumindo o lugar de protagonistas em quadros renascentistas, barrocos, neoclássicos e românticos, lembrando que eles também fizeram parte da construção da cultura popular brasileira.

“São figuras que constroem, em grande escala, cultura nesse país, e de fácil identificação. Tem um ‘quê’ de pop art do Andy Warhol, que é um cara que eu admiro pela mesma esfera, de ressignificar as coisas”, explica.

O artista 

Alberto Pereira é artista de rua, nascido e criado no Rio, Niterói, Brasília e Angra dos Reis. Teve seu trabalho exposto em festivais de arte urbana e digital como La Première Expo de GIF (Paris, 2016), Art Rua (Rio, 2016), Cheap Street Art Festival (Bologna, 2017). 

Participou de galerias urbanas como a Providência, Babilônia e a Ladeira do Castro, além da residência artística Afrotranscendence, realizada em 2016 na Red Bull Station, ao lado de artistas e mentores como Benjamin Abras, Criola, Diane Lima, Josyara Lélis, Mahal Pita (Baiana System), Rincon Sapiência, VJ Vigas entre outros.

Desenvolve oficina de criatividade e expressão artística na Casa Amarela, iniciativa do artista francês JR, construída em parceria com o fotógrafo Mauricio Hora no Morro da Providência, favela localizada na zona central do Rio. 

Sua linguagem é a rua, a favela carioca, as periferias urbanas, e as diversas formas de reescrever seus significados. O papo é reto: “Ainda vivemos em uma sociedade desigual, racista, exploratória e ignorante, mas mesmo com tanto a reparar e instruir, vivemos o sonho dos nossos ancestrais. E construiremos os próximos sonhos. É a nossa vez de lutar pelas próximas gerações. A luta diária é sobre ser visto e não revistado”, protesta o artista.