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Prisão de Lula

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A confirmação da pena de prisão do ex-presidente Lula, que em breve estará chegando ao ápice com o seu recolhimento por agentes da Polícia Federal, encarregados de conduzi-lo em nome da Justiça, é acontecimento que pode e não deve passar por cima de aspectos importantes a serem transferidos ao julgamento da História, notadamente quando se trata de um homem que há pouco definia os destinos do país em dois mandatos, depois de passar por incontestada liderança dos trabalhadores; foi quando viveu uma quadra em que o desempenho desse papel de comando, não raro, exigia que a vida fosse colocada em risco. O metalúrgico Lula passou pela experiência sob o pesado clima de excepcionalidade das instituições, e, galgando degraus, convivendo com não poucas derrotas, chegou à presidência da República, onde, forçoso reconhecer, contribuiu para ampliar o debate de questões internas e projetar o Brasil no Exterior, alguma vezes inspirado apenas no seu jeito de ser, com lances de simplicidade e improvisação peculiar ao seu temperamento. São aspectos que, de tão evidentes, parece, não comportam contestação. 

Na ocupação da primeira magistratura, Lula contabilizou acertos e equívocos, tal como ocorreu com todos os que o antecederam e certamente haverá de ocorrer com todos os posteriores. Sempre foi assim, porque errar e acertar é o que rege a vida de todos. No caso dele, admitidos os tropeços em função do cargo que ocupou, é notório que nada o diferenciou dos demais, até porque, cabe considerar, só se governa com a capacidade do governante de fazer concessões. Esta foi a forma também cobrada a ele nos oito anos de mandato, quando  ficou patente, para sua infelicidade, que só lhe faltaram competentes antídotos, professores e orientadores hábeis, capazes de o imunizar contra maiores responsabilidades nos favores e nas tolerâncias indevidas. Faltou-lhe, é certo, o mesmo e eficiente jogo de cintura do presidente Michel Temer, que, mais que qualquer outro – muito mais que Lula – cede às imposições de deputados, senadores e outros poderosos, em nome de uma governabilidade que no Brasil deixou de ser essencial para se tornar verdade indispensável. Lula, cedendo muito menos, não foi suficientemente cuidadoso para preservar a própria pele, o que permitiu à Justiça cortá-la e sangrá-la, como exemplo para o futuro e o resgate do passado.     Pois bem. Nesta hora em que ele vai ser retirado de cena, confortado por alguns poucos amigos fieis que ainda não bateram em retirada, é preciso dizer que esse ex-presidente é, sobretudo, vítima de uma estrutura político-jurídico-cultural que impõe ao estadista fazer o que muitas vezes não deseja fazer; porque essa mesma estrutura, aparentemente poderosa sob as rédeas de um presidencialismo imperial, fraqueja habitualmente, deixa nu o governante, quando se lhe deparam interesses múltiplos, muitos dos quais capazes de corroer o governo, criar ciladas e produzir crises de consequências imprevisíveis. Ou cede ou não administra; se não administra, capitula ante seus deveres constitucionais.       

Tudo isso para dizer que Lula é também vítima, sem bastar a certeza, como se disse, de que aspectos que nesta hora podem passar em branco ficam para a consideração da História, mas machucam quem é a vítima de agora. O que então pode diferenciá-lo de outros, próximos ou de passado distante, é que não teve suficiente sensibilidade para se preservar e se precaver de erros comuns na administração do governo federal. Em vida palaciana o que não falta são gentilezas de oportunismo, como sabem e podem atestar todos os que transitam pelo poder. Um sítio de presente em Atibaia, um apartamento de origem duvidosa podem ser gentilezas suspeitas, mas seria injusto atribuir ao ex-presidente, em função desses regalos, fábulas que inexistem, como a acumulação de fortunas, que não teve e não tem nos bancos suíços ou no paraíso das Bahamas. Mais do que ele, muito mais, foram os enriquecimentos das quadrilhas que não soube conter durante seus dois mandatos. Dessas quadrilhas certamente figurou na lista das vítimas, e talvez a Justiça tivesse pouco ou nada a lhe cobrar, se Lula, engavetando a velha imprudência do torneiro mecânico, tivesse à mão não assessores e grupos de influência famélicos e sedentos, mas colaboradores de sinceras intenções. 

Claro ficando que longe está qualquer intenção de abafar irregularidades e admitir como razoáveis falcatruas dos governantes, o que se torna indispensável é tomar em conta que o ex-presidente não pode se tratado como detentor de todos os males que infelicitam o Brasil dos nossos dias. Que seja condenado apenas por ter sido dirigente temporário pouco atento e concessivo de um carcomido modelo de governo centralista, e, por isso mesmo, fraco para reagir às imposições dos poderes que são capazes de estrangulá-lo; os mesmos poderes que sempre levantam tal ameaça. 

Antes de prender Lula, desejável seria que se condenasse à morte o modelo político do qual foi vítima, como vítima somos todos nós.