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Otimismo presidencial

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Antiga experiência dos presidentes da República ensina que a eles nada se deve cobrar, muito menos esperar, quando seu mandato caminha para meados do último ano. O que era para ser feito, está feito; o que não se fez, paciência. Fica para o próximo. Esse desânimo, que a crônica política já definiu como uma espécie de indolência institucionalizada, de antigas origens, é fenômeno explicado pela máquina administrativa, que, se faltam poucos meses, prefere mergulhar na sonolência; ou porque está cansada, ou porque as atenções vão se voltando naturalmente para os sucessores. 

Assim sendo, cabe registrar inesperada reflexão que, horas atrás, fez o presidente Michel Temer, em companhia de empresários do setor varejista, ao garantir que, nos oito meses que lhe restam no Palácio do Planalto, terá tempo para fazer muito, o que inclui a retomada de reformas essenciais; e de tudo espera bons resultados. Talvez, ao fazer tal previsão, ele se inspire, eufórico, na superação dos vendavais que vinha enfrentando nos últimos dois anos. É o que pode explicar aquele pronunciamento na reta final. Temer não vê por que temer esse calendário, que para os que o antecederam foi ditador inflexível no cumprimento do tempo, incapaz de permitir até mesmo modestas realizações. Da mesma forma como é inexorável cobrador na vida das pessoas, no cumprimento de metas e de projetos. E hoje, mais que ontem, o tempo corre demais. Foi o que levou o escultor Petrônio Bax (1927-1909) a sugerir que o tempo fosse multado por excesso de velocidade, tal como se cobra de motoristas imprudentes.

Oxalá o presidente possa desautorizar, neste fim do governo, que a máquina administrativa prefira aquele ócio, filho adotivo da bondosa fatalidade das horas que passam. Porque, quando a malemolência deriva para o lado político, surge outra questão, que pode ser particularmente difícil para Temer. Logo ele que, mais que qualquer outro, jogou todas as fichas da sorte num diálogo produtivo com o Congresso Nacional. Certamente saberá que, independentemente da boa convivência, deputados e senadores têm relações diferentes com o calendário: os dias, agora, são colocados, em preferência, para as campanhas de reeleição. Sobra pouquíssimo para cuidar do Executivo. A tramitação de projetos torna-se matéria escassa. Tem sido assim, como revelam vastas estatísticas dos quóruns insuficientes. Mas o chefe do governo opta pelos óculos que Voltaire cravou na cara do Doutor Pangloss. Só se vê o lado bom das coisas.  

À parte, mas ainda como tema vinculado ao otimismo do presidente, faltando 32 semanas para se despedir, veio dele a promessa de que o governo vai ampliar estudos em torno da reforma da Previdência Social, tema que deixou de figurar na pauta legislativa, sem afetar e alterar a linha de preocupações do Executivo. Nesses minguados meses, que já vão correndo mutilados pela Copa do Mundo, a mais sagrada entre as prioridades, se o país progredir um pouco na difícil modernização da Previdência já estaria, em grande parte, justificado o estado de graça presidencial. Por exemplo, se houver disposição de apressar uma sadia ingerência profilática no sistema atual, que não dá ao trabalhador alternativa de aplicar sua contribuição, além do Instituto controlado pelo governo. Primeiro, policiar os fundos paralelos que servem para engordar aposentadorias precoces e milionárias. Depois - quem sabe? -  não seria oportuno aproveitar o ânimo para estimular um avanço há muito reclamado: abertura de maiores espaços para a previdência privada, desde que bem regulamentada e cercada de todas as garantias. Mesmo que pouco se consiga, o que viesse seria útil para abrir caminhos ao futuro governo.