Crise encarcerada

Quando se deu por encerrado, no ano passado, o levantamento do número de apenados que haviam perdido a vida nos conflitos e rebeliões dos presídios do país, o obituário andava pela casa dos 400. Número que, provavelmente, tenha se ampliado, pois, chegando a um ponto de desânimo, a estatística parece ter ficado no abandono. Certo tédio, diante de visíveis sinais de que, afinal, para nada serviria, ante a imensa gravidade do problema carcerário. Na verdade, ou somos campeões ou estamos entre os primeiros do mundo nesse quadro desalentador, que aqui se agrava dia a dia, enquanto os poderes Executivo e Judiciário se revezam na distribuição das culpas.

Fora de dúvida é que, por mais que fosse possível ampliar o número de unidades prisionais, realmente deficitárias, elas jamais conseguiriam alçar ao nível próximo do ideal. Muito menos chegar à prioridade dos governos. As celas serão insuficientes, considerando-se que quase 500 mil sentenciados estão em liberdade tolerada, porque a Justiça não tem como recolhê-los. A demanda corre a passos largos, projetada pelo crime, que se alimenta, principalmente, do tráfico e dos assassínios.

O problema, se aparentemente não tem solução, pode ter seus efeitos reduzidos, desde que os setores responsáveis consigam adotar medidas já sobejamente testadas quanto aos resultados que podem oferecer. A começar por uma revisão da escala de preocupações do Judiciário, onde tem sido fomentada a indústria de condenações à privação da liberdade, na contramão do entendimento universal de que não é por aí que os tribunais devam caminhar.  

Observe-se, a propósito, que, no cerne da crise, muitos, não menos de 30% dos detidos, têm envelhecido no horror dos cárceres, aguardando o julgamento, que custa a chegar. Não faltarão, entre esses, os que serão, ao final, absolvidos com o favorecimento das provas insuficientes. Outros – também  não são poucos -  já tiveram cumprido a pena, mas tornaram-se vítimas da longa burocracia, por ela condenados a um castigo suplementar: hóspedes injustiçados na superlotação selvagem. Padecem da injustiça da Justiça, e nisso acabam servindo para demonstrar, cabalmente, que a morosidade no cumprimento da lei é a própria ausência da lei.

Assim visto, o agravamento dessa situação, que não raro despenca para motins e as mortes decorrentes, continua a recomendar aplicação mais corajosa das penas alternativas, a fim de que as celas fiquem destinadas a delitos graves, os que impõem a necessidade de isolamento do criminoso. Seria medida quase suficiente para desafogar os presídios mais modestos; principalmente esses, pois está comprovada a coincidência: são eles os mais sacrificados na incansável usina de desumanidades.

As alternativas, sem falar nas tornozeleiras para cumprimento de pena nos limites domésticos, longe de serem instrumento de humilhação para os condenados, conduzem à prestação de serviços comunitários, já praticados em algumas das principais cidades com bons resultados. Têm duas virtudes: levam o autor do delito a conviver com a sociedade, na qual pretende reintegrar-se, e, ao mesmo tempo, a virtude de oferecer um reparo à comunidade ofendida pela prática delituosa. Não se identifica melhor caminho para o combate frontal a outra face cruel do problema: a reincidência, na qual submerge metade da população que volta à ruas.