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Eletrobras: fome e vontade de comer

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A decisão do governo federal de levar a Eletrobras a um altar de privatizações, já tão manchado com o sangue dos interesses do país, há  de contribuir -  queira Deus - para revelar, outra vez, a falta que nos faz uma política para o setor; um modelo que, antes de tudo, não pecasse pela escassez de seriedade. Na verdade, uma das grandes carências na preservação do patrimônio público está no jamais discutido conjunto de normas e justificações, capazes de ajustar essas vendas às prioridades brasileiras. Bem demonstrado, conclui-se que a visão do Executivo limita-se ao propósito de gerar dinheiro a qualquer custo, presenteando o mercado com os bens do Estado, que vão ao pregão por preço vil. Nada diferente com a Eletrobras, a mais recente vítima do açodamento do Planalto, de onde ainda não se ouviu explicação aceitável para tal iniciativa, que vem com graves sintomas de lesa-pátria. 

Uma desejável política de privatização haveria de principiar pelo alinhamento de motivações plausíveis e inquestionáveis para justificar os objetivos. Faoro diria: a visão límpida da cidadania. Começando por demonstrar, em primeiro lugar, clareza em qualquer processo de desestatização, por se concluir que não deve caber ao poder público lidar com atividades que não lhe convêm. Houve tempo em que o governo chegou a administrar fábricas de tecido e vassouras, transformadas em estuário de empreguismo para apadrinhados. Fizeram bem os que o desvencilharam desse incômodo, onde não faltaram corrupção e ineficiência. 

O modelo ideal para se transferir à iniciativa privada a competência gerencial inspira-se, além de afastar do poder central o que melhor se adéqua às mãos do empresariado, na obrigação de preservar e primar por valores justos na venda de algo que é parte das propriedades do povo. Esses valores sempre estiveram à margem do ideal, quando se optou pelas vendas apressadas e pela ganância dos arrematadores. Ainda hoje é objeto de desconfiança o destino dado à Vale do Rio Doce e à Rede Ferroviária, mesmo sem colocar em dúvida que produzir minérios e operar trens são atividades estranhas ao governo. A Eletrobras, baseando-se nos indicativos, pode estar caminhando para o mesmo destino: entrega por preço baseado nos índices de desvalorização, tão ao gosto desses mercadores de ocasião, que passam longe dos interesses do país. 

Mas esse é apenas um, entre muitos aspectos do novo crime que se arquiteta contra o Brasil. Não menos importante, quando se desconsidera que serviços estratégicos, tanto na produção como no gerenciamento - o setor elétrico antes de todos -, têm de estar sob responsabilidade governamental. Porque sobre ela pesa, diferentemente da iniciativa privada, a fatura dos deveres sociais, como saúde e educação. Nesse caso não é prevalente o lucro; nada mais que o lucro retratado nos balanços plenos de insensibilidade em relação a tudo que reclama proteção estatal. Tal como os balanços dos bancos, que chegam à desfaçatez e falta de pudor ao confessar lucros astronômicos, à custa do suor de milhões. Que a Eletrobras sirva de advertência, no momento em que caminha para se tornar vítima de uma violência. Antes que outras morram é preciso pensar em uma política para o setor, inspirada, única e exclusivamente, no interesse nacional. Não mais como se tem visto: a associação da fome voraz do governo com a sede de um mercado de especulação, onde nada vale além de um cacho de bananas.