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Abolição sem festa

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Hoje, 130 anos da abolição da escravatura, sobrariam razões para vasta comemoração; tal como outras festas que celebram os grandes passos da liberdade humana. Não obstante, segundo as comunidades negras, inexiste motivo real, pois consideram que a Lei Áurea não se tornou o veículo ideal da libertação, porque a monarquia não cuidou – na verdade, descuidou – de criar condições para que o mercado de trabalho rural da época absorvesse a imensa mão de obra servil, de um momento para outro jogada nas ruas do desemprego. Portanto, livres, mas não tanto. Talvez, ausentes outros dissabores, ainda possa causar dores nas tradições da negritude o fato de o Brasil ter sido o penúltimo do mundo a libertar o braço escravo. Depois de nós só a Mauritânia.

Os resquícios dos equívocos ou omissões perduram, como têm procurado demonstrar os estudiosos na matéria, que não são poucos. Os descendentes, mesmo que distantes de suas origens, preservam antigos ressentimentos e arrastam consigo sinais de miséria social, envolvidos em velados preconceitos que persistem. Por isso, não aceitam mesmo a celebração, e mostram-se dispostos a transferir essa resistência às próximas gerações. Nem consideram que, para quem era escravo em 1888, escapar das senzalas e da chibata já era um pedaço do céu. 

Hoje, sem embargo das cotas conquistadas para os negros em cursos superiores, um resgate que se colocou até mesmo acima da meritocracia,  detêm eles escassa participação nos escalões maiores da sociedade. Assumem os menores índices de alfabetização, e pouco mais que reduzida  participação nos meios de produção, à medida em que as riquezas produzidas se expandem tecnicamente. 

Limitações e exclusões elencadas estão refletidas, como não podia deixar de ser, no campo político, onde tivemos de ver essa parcela da população com apenas 9% de participação na última Constituinte,  gritante contraste com os 50% dos negros na composição da sociedade brasileira.

A amargura maior, hoje manifestada contra a Princesa Isabel, a quem os descontentes chegam a negar o epíteto de Redentora, nasceu e prosperou no fato de àquele 13 de maio de 1888 não se seguir qualquer preocupação com o futuro dos libertos. A Princesa, que por três vezes governou o país, durante as viagens do pai, Pedro II, à Europa, podia, realmente, ter se preocupado com algo que se assemelhasse a relações trabalhistas básicas ou emergenciais. Os monarquistas asseguram que viriam, a seguir, as preocupações do Palácio São Cristóvão com  negros desempregados, mas não têm como demonstrar claramente essa boa intenção. 

Em rigor, medidas sucedâneas para o emprego dos ex-escravos tiveram tempo suficiente para serem preparadas, pois a libertação, que há anos  Dom Pedro secretamente articulava, vinha se processando de forma paulatina. Como o tráfico negro, que José Bonifácio condenou em 1823, e que Feijó proibiria 11 anos depois. A libertação dos sexagenários e o Ventre Livre, logo depois, acenavam claramente com a próxima abolição. Há pode pesar a suspeita de precipitação ou surpresa. 

Tanto tempo passado, com ou sem festa, não cabe simplesmente soprar ou reacender as cinzas da Lei Áurea. Bom será que o governo e todos os segmentos da sociedade, aos quais for possível apelar, caminhem para ações que  ajudem a olvidar antigas omissões. Restam muitas formas de prestigiar as populações negras; que não sejam meramente assistencialistas e paternalistas. Têm elas potencial suficiente para que lhes sejam abertos novos caminhos de inserção.

O 1888 foi um ano que não completou sua obra.