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Recado de domingo

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Nesses municípios que realizaram eleições suplementares, no último domingo, convém buscar elementos para reflexões objetivas em relação à imensa responsabilidade que aguarda os brasileiros no outubro que vem se aproximando. Vistos e analisados os mapas de votação, encaminhados aos tribunais regionais, neles nem foi possível ler o que seria um natural interesse pelos destinos das cidades; exemplo de certo descaso cívico, evidente na maioria, quando somados os votos nulos, em branco e a abstenção. A média orbitou em torno de 50%, o que reflete alguma repugnância quanto aos candidatos e, mais ainda, despreocupação dos cidadãos sobre os destinos de sua urbe. E com tudo para ameaçar gravidade maior, no momento em que serão escolhidos presidente, governadores e parlamentares. No caso desses, o limitado debate municipal pode ser outro fator para ampliar a abstinência. 

Vale refletir, porque a expressiva ausência não resultou apenas de vieses conjunturais, de insatisfações do momento. Não só isso. Quando uma cota expressiva dos colégios eleitorais, próxima da maioria, opta por não se definir por nomes ou partidos, os futuros governantes já vão condenados ao grave destino da inautenticidade no mandato; e governar sob indisfarçável indiferença dos munícipes. Esses prefeitos amarram-se, acanham-se na tomada de iniciativas mais ousadas e mesmo corriqueiras. Estarão submetidos a permanente e silenciosa contestação dos que não lhes deram o voto nem optaram por outros candidatos. Indiferentes. Um panorama delicado, com desdobramentos nem sempre previsíveis.

O exemplo deixado pela disputa daquelas 20 prefeituras é importante, transcende seus limites. O que os ausentes pensarão e como se comportarão, quando forem chamados a votar em presidente e governador? As previsões tendem a se tornar sombrias, considerando-se que não se vislumbra a possibilidade de, em tão pouco tempo, descobrir-se a fórmula capaz de reverter a indigência que se abateu sobre o entusiasmo das populações votantes. Os eleitos – sempre haveremos de tê-los, por mais volumoso que seja o contingente dos indiferentes - ficam condenados à ilegitimidade; quer dizer, ungidos por poucos. A ingovernabilidade é quase uma consequência.

Outra preocupação, por decorrência deixada pelo recente embate municipal, é que resta estimulada a discussão sobre a inconveniência de uma reforma política abrangente eliminar a obrigatoriedade do voto, mesmo que tomemos a abstenção de domingo como exemplo de manifesta simpatia pelo voto voluntário. Teme-se, agora mais ainda, que, liberado do dever, o eleitor desapareça em massa. E nada ficará faltando para condenar os mandatos ao fracasso.

O mais recente dado para ilustrar tal preocupação enriquece, também por via direta, a argumentação dos defensores da obrigatoriedade. Sobretudo legisladores, que vinham se armando do exemplo vivenciado pelo Chile, que, na eleição de suas comunas, ano passado, amargou uma ausência de 65,1%. A liberalidade para o voto já havia sido concedida, constitucionalmente, quatro anos antes, quando a abstenção chegou a 55%. Para alguns estudiosos da matéria, impermeáveis à liberação, a experiência chinela não é apenas uma coincidência com as preocupações brasileiras quanto ao abstencionismo; entendem ser também uma advertência.

Vista no essencial, a discussão tem aspectos delicados. Principalmente quanto ao divisor entre o direito de a pessoa não ser obrigada a fazer o que não quer e o dever de não ter o direito de condenar uma eleição aos riscos da ilegitimidade. Portanto, um limite sutil entre o poder e o dever. Sem que seja preciso repetir que o voto foi e será sempre o instrumento insubstituível da democracia representativa. Devemos pensar mais no recado das urnas de domingo.