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Entrevista - Mazzola: 'Importante era fazer gol'

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Nenhum brasileiro foi maior do que José João Altafini, na Itália. Neto de italianos, nasceu em Piracicaba (SP), e pelo futebol voltou à terra ancestral para brilhar. Não sem antes tornar- se ídolo também no Brasil. Ao lado de Pelé e Garrincha, sagrou-se campeão mundial na Suécia, em 1958. Na Itália, também defendeu a seleção nacional. Nos clubes foi campeão italiano (1959 e 1962) e da Liga dos Campeões (1963) pelo Milan. E pela Juventus acumulou mais dois “scudettos” em 1973 e 1975.

Iniciou a carreira no Atlético Piracicabano e, aos 16 anos, assinava com o Palmeiras. No Brasil poucos sabem quem é Altafini, mas se perguntarem por Mazzola, nome que recebeu por se parecer com o craque italiano Valentino Mazzola, que jogou nos anos 40, ouvirá boas histórias, como a da derrota de 7 a 6 do Palmeiras para o Santos em 1958, partida de tanta emoção que causou a morte cinco torcedores do coração.

Altafini chamou a atenção do Milan, que deixou nos cofres palmeirenses cerca de 25 milhões de cruzeiros, valores jamais vistos no Brasil da época. Conquistou o coração dos torcedores e escreveu o nome na história do clube. 

Altafini o “Bomber”, como era conhecido na Itália, fez gols até os 38 anos. Hoje, com quase 80, conserva a alegria e a energia. Vive em Alessandria, a 80km de Milão, onde conversou com Lenise Figueiredo, correspondente do JORNAL DO BRASIL na Europa.

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ENTREVISTA

Altafini, quem foi a verdadeira estrela da Copa de 58? Garrincha ou Pelé?

Garrincha, sem sombra de dúvidas. Foi ele quem ganhou os dois campeonatos,  tanto o de 58 quanto de 62.  Só que Pelé era um garoto  de 17 anos e deu o que falar. Mas nos jogos contra a França e a Suécia, por exemplo, Garrincha foi decisivo, e ninguém tem que ficar chateado com isso. É a realidade.

Como era jogar com Garrincha?

Ele era  uma pessoa simples, gostava de brincar  não existia maldade em sua personalidade. Uma pessoa  fantástica. Além de um grande jogador, era impossível alguém falar alguma coisa contra o Garrincha.

Qual foi a melhor seleção de todos os tempos?

Não gosto de fazer comparação entre jogador e seleção, mas a minha  é a de 1950 . Nela estavam os meus ídolos. Para mim, foi a melhor porque me emocionou mais. Sei, de memória, escalar aquela seleção até hoje... Todas as seleções trazem grandes jogadores, mas, às vezes, também decepcionam, como a de 1982,  que entusiasmou o mundo e, no fim, não fez nada...

Por que na Copa de 62 você jogou pela Itália e não pelo Brasil?

Naquela época não eram convocados jogadores que atuavam no exterior. Joguei no Brasil em 1958, e Pelé e eu éramos os mais jovens. Mas não me chamaram em 1962 porque eu já estava na Itália. Vavá, por exemplo, voltou da Espanha para o Brasil para ser convocado. Quando entrei no campo jogando pela Itália me chamaram de mercenário, falaram que eu tinha me vendido. Hoje, o número de brasileiros que jogam no mundo inteiro é altíssimo e ninguém fala nada.

Como foi a vida de jogador na Itália?

Eu cheguei muito jovem, com 20 anos, e não tinha noção do que realmente fazia. Era normal, para mim, ganhar um campeonato, e sempre ganhava. Nem falo que por mérito, sempre tive sorte. Em 1963, o Milan foi o primeiro campeão da Europa e ganhou comigo, fui protagonista. Mas não me dava conta do que era um campeonato mundial, um campeonato europeu.  Acho que  aproveitei  pouco do que obtive.

O Milan foi o time mais importante em sua carreira?

O Milan foi muito importante , os melhores anos da minha vida, de 19 a 25 anos. Hoje vejo que eu era um menino. Foram muitas vitórias, conquistei dois campeonatos e fui artilheiro do time. Não me dava conta da importância de tudo aquilo. Altafini foi também muito amado pela torcida italiana. O importante era fazer gol.

O que mudou do futebol da época em que você jogou para o praticado hoje?

Mudou tudo. A bola hoje é mais leve, os campos eram terríveis, com barro, pó de serra e buraco. Hoje o  campo é limpo, perfeito. As novas chuteiras são leves; as nossas encharcavam de água. Isso sem falar no uniforme, que era de outra qualidade. Além da alimentação e do  treinamento. O jogo, hoje, aparentemente, é mais veloz, mas na realidade, toda essa base é diferente.

Naquela época ganhar muito dinheiro era tão fundamental para o jogador como acontece nos dias de hoje?

Houve situações em que numa partida de Mundial ganhávamos 60 dólares. Hoje, um jogador profissional está rico com um ano de contrato. 

Você atuou por grandes equipes do futebol italiano. Ganhou bem ao longo dessa vitoriosa carreira?

Ganhei bem, mas não como os jogadores de hoje. Mas não tenho nenhuma inveja. Aproveitei bem a minha vida. Agradeço a Deus porque vivi numa época muito melhor. Podíamos deixar o carro aberto, sair com uma garota sem se preocupar com o risco de doenças. Hoje está tudo errado. O medo toma conta de tudo. São tempos difíceis. 

Você ainda trabalha?

Trabalho com uma empresa que produz grama sintética. Estamos tocando um projeto em Fortaleza. A grama sintética do estádio do Atlético Paranaense é nossa. Eu gostaria de fazer o campo do Palmeiras.

Você segue alguma religião?

Sou um homem de fé, acredito em espiritismo. Tem um anjo que me protege. De tudo que foi feito na minha vida, 75% foi  meu anjo que fez; o resto eu fiz. Às vezes me pergunto: “mas aquele gol, como eu consegui fazer, como foi possível?” Aí eu percebo que foi obra do anjo.

E como era a relação com a família? Acompanhou todo o seu sucesso?

Meus pais não seguiam a minha carreira, pois  eram  pobres. Quando fui para São Paulo me tornando um jogador profissional, eles começaram a entender que o filho estava indo bem. A minha felicidade foi quando consegui comprar uma casa para eles. A satisfação de ganhar um Mundial é tão grande quanto a gratidão dos pais. Me casei muito jovem e foi um erro. Não tinha maturidade. Com minha primeira mulher, que já faleceu, tive duas filhas, que moram no Brasil. Com minha segunda mulher, italiana, tenho três filhos.

Seus pais, então, não participavam muito da sua vida no futebol?

Não. Isso eu achava bom.  Os pais não devem seguir os filhos como hoje fazem em tudo. Até nos treinos das escolinhas eles estão. O menino que quer jogar futebol tem que encontrar certezas dentro dele. Os filhos têm que decidir sozinhos o que querem.

Se você não tivesse sido jogador de futebol, o que acha que teria feito?

Não sei... quando era mais novo, eu trabalhava como ajudante de mecânico e já jogava futebol.

Na sua época não se falava em doping. Os jogadores não tomavam nada para jogar?

Absolutamente, não. Eu nunca nem fumei na minha vida, mas alguns jogadores fumavam maconha. Era a droga daquela época. Não tínhamos essa pressão de hoje, os jogadores iam para o campo com a cabeça limpa.

Você está prestes a completar 80 anos. Que balanço faz da sua vida?

Um balanço maravilhoso (sorri). No meu arquivo cerebral só tenho coisas bonitas. Partidas bem jogadas... jogo feio nem sequer me lembro. É como se a minha cabeça anulasse tudo de negativo. É como lembrar de mulher, da bonita ou da feia: a escolha automática da mente vai para a bonita.

Algum arrependimento?

Fui muito criticado por ter jogado a Copa de 1962 pela Itália, quando poderia ter jogado pelo Brasil. Perdi a chance e a possibilidade de conquistar o mundo com os meus companheiros. Outra coisa que me incomodou é que no Brasil eu era conhecido como Mazzola e quando cheguei aqui virei João Altafini. É como se o Pelé viesse jogar na Itália e o chamassem de Édson Arantes do Nascimento. Isso me incomodou. 

E qual seria a maior felicidade?

Além de jogar futebol,  a oportunidade de ter conhecido o mundo todo. Se você ler 300 livros não aprende o que a vivência te dá. Viajei e aprendi intensamente.

Você costuma ir ao Brasil com frequência?

Vou  sempre ao Brasil, em função da empresa que faz campo com grama sintética.

Qual foi o melhor jogador de todos os tempos? E o atual?

De todos os tempos, indiscutivelmente, foi Pelé. Quem jogou e conviveu com ele sabe que  era quase perfeito. Hoje, admiro o Messi. Foi quatro vezes o melhor da Europa, tem visão, técnica. Gostaria que Neymar o seguisse. Cristiano Ronaldo é um grande jogador, mas é físico, tem força física. Messi tem mais poesia.

Você se sente mais brasileiro ou italiano?

Sou brasileiro quando joga o Brasil e italiano quando joga a Itália.

Você também fez sucesso na Itália como comentarista esportivo na TV. Conte um pouco dessa experiência.

O futebol é beleza, é espetáculo e, com esse pensamento, eu marquei presença na televisão italiana. Aqui eles comentam conversando um com outro, sem vida. Eu trouxe mais fantasia. Fui convidado para colocar a voz num videogame de futebol com essa mesma energia. Ainda fui convidado para participar dos filmes em animação “Rio”, 1 e  2 . Fiz a dublagem do cachorro e recebi até prêmio revelação.

Como você avalia a partida do Brasil contra a Suíça, no jogo de estreia na Rússia?

O Brasil começou bem,  fez o gol, mas depois começou a jogar de salto alto, a brincar e não deu certo. Fiquei louco da vida. Mas foi melhor empatar para que eles compreendam o que é um jogo desse, para cair na real numa Copa do Mundo.

Você acha que o Brasil tem chances de ganhar esse Mundial?

Tem, assim como França, Bélgica, Espanha e Alemanha. Na Copa de 90, aqui na Itália, a Argentina perdeu no primeiro jogo, mas chegou à final. Tudo depende do segundo jogo. É o que vai determinar tudo

Se você fosse técnico, o que faria e falaria para os jogadores sobre o jogo de hoje?

Daria um susto nos jogadores: “se perdermos estamos fora. Se empatarmos ou perdermos será muito difícil recuperar”. Eles têm que entender que não se brinca. Tem que se movimentar. Acho o Tite um grande técnico. Quando foi convidado, achei que o Brasil estaria em boas mãos. Mas ele errou algumas coisas na estreia com a Suíça. Deveria ter dado mais oportunidade a Douglas Costa, que é um jogador muito importante nessa seleção. Vamos ver... essa é a última chance.