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Coletivos feministas invadem a cena teatral carioca em 2017

Do funk ao teatro: mulheres empoderadas sobem aos palcos e apresentam o feminismo

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É inegável que a política no Brasil foi um dos temas mais discutidos durante o ano de 2016. Com a instabilidade causada pela corrupção em série, os desdobramentos da operação Lava-Jato e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, jovens começaram a se mobilizar para lutar pelos ideais que acreditavam. 

Temas como racismo, machismo, homofobia e desigualdade social foram amplamente debatidos em movimentos de resistência. A partir disso, o coletivo As Minas e As Mulheres de Buço foram formado por jovens que desejavam usar a arte para comunicar mensagens sobre a luta feminista.

Rayza Noia, idealizadora do coletivo As Minas, formou-se na CAL e nunca pensou em ficar sentada esperando a sorte bater a sua porta. Ela sabia que para conseguir realizar seus sonhos teria que batalhar: “Eu me senti na necessidade de encontrar a minha assinatura como artista, sobre o que eu gostaria de falar para o mundo. O artista, principalmente no nosso país, precisa se produzir. Então, eu já saí da minha formação preparada para criar o meu mercado de trabalho e não ficar só na expectativa de um teste. E o assunto que mais me alimentava a falar era ser mulher nessa sociedade”, contou.

A partir desse ideal, a jovem começou uma busca por outras mulheres talentosas e engajadas envolvidas com a arte. “Eu tive a sorte na minha vida de sempre trabalhar com artistas incríveis. Eu sonhei com um projeto que pusesse todas essas mulheres em cena. Comecei a convidar as pessoas que eu mais admirava ou que eu já tivesse trabalhado antes ou que eu já tivesse visto em cena”, explicou. 

O grupo está junto desde junho e começaram discutindo e debatendo sobre os temas, compartilhando histórias e relatos sobre a vivência do que é ser mulher em uma sociedade machista.

As Minas se preparam para estrear seu primeiro espetáculo em março. A diretora do espetáculo, Brunna Napoleão, falou sobre como foi o processo de desenvolvimento e concepção. “Uma das questões que apareceu nas nossas reuniões foi o por que as pessoas tinham tanta ojeriza à palavra feminismo. Pegamos temas variados sobre o feminismo e o feminino. Comecei a pensar muito em jornada e falei: ‘E se eu contasse a história de uma garota comum que tem um dia comum?’ Só que nesse dia comum ela sofre um abuso em casa, vai no trem e ela é assediada. É o dia a dia até que uma hora ela explode. E quando explode, entende que sozinha ela não consegue passar por isso tudo. A partir disso, ela entende o que é o feminismo”, enumerou.

As meninas falaram sobre as dificuldades de ser mulher e do peso maior que é se assumir uma feminista. Elas comentam que quando os grandes veículos retratam o feminismo é sempre um de forma agressiva. A solução pensada, então, foi montar um espetáculo com essa temática em que a palavra chave não é luta ou agressão – mesmo elas tendo a consciência da importância disso – mas acolhimento. É para que todas as mulheres vejam a peça e se identifiquem, provocar a sororidade dentro de cada uma das espectadoras.

Com um ar mais descontraído e musical, as Mulheres de Buço já se apresentam com a seguinte frase: “Nós não somos belas, recatadas e do lar. Nós somos divas, bagaceiras e do open bar”, fazendo alusão a matéria da revista Veja sobre a primeira dama Marcela Temer. 

Elas começaram um movimento chamado funk teatro e compuseram letras sobre a luta feminista. Com o apoio da batizada ‘Sapabanda’, montaram um show performático onde criticavam toda a política brasileira e foram convidadas para se apresentar em diversos centros de resistência. O grande auge delas foi durante os movimentos de ocupação no final do ano passado onde se apresentaram no Ocupa MINC e Ocupa Canecão.

A formação é composta por sete amigas que se conheceram no Teatro O Tablado, e as meninas se preparam para lançar uma peça esse ano também no local que deu origem à amizade. “Fomos nos aproximando pelo interesse em montar cenas e trabalhar juntas. Vi um vídeo na faculdade da Ana Paula Valadão em que ela fala sobre como a mulher tem que se comportar e ser submissa aos homens e levei para elas. Isso foi uma das coisas que nos motivou a falar sobre ser mulher na sociedade. Somos todas mulheres, temos que falar disso”, contou Joana Castro sobre o início do projeto. 

“Fizemos uma cena no FESTU (Festival de Teatro Universitário) e no show do intervalo nos apresentamos com o primeiro funk. Foi mais sucesso do que imaginávamos. A partir daí, começamos a ser convidadas para apresentações”, completou.

As Mulheres de Buço descobriram que o funk e a música eram formas mais envolventes de comunicar a mensagem, mas elas fazem isso sem abandonar a origem: “O teatro é a nossa essência, é de onde viemos, mas o funk trouxe uma pegada de empoderamento para nós. É mais fácil para falar do corpo com o ritmo, por exemplo. Até no teatro é delicado falar sobre isso ainda. Juntou tudo e virou o funk teatro”, explicou Manuela Llrena. 

Tão orgânico quanto a formação do coletivo, a maior ferramenta de estudo das meninas é o mundo. As composições e o roteiro da nova peça são pensadas a partir do que elas ouvem, veem e vivem. A vivência dentro dos movimentos de luta e resistência ajudaram muito o grupo.

 “Íamos para as ocupações que eram lugares que precisavam de muitas coisas e levávamos música e saíamos com mais bagagem. Conversamos muito com as pessoas que estavam por lá e nosso trabalho vem muito desses relatos que colhemos”, disse Clarice Sauma.

“É importante ter um espaço onde as mulheres vão para o palco e falem o que querem falar. Ser mulher na sociedade é difícil e é necessário um lugar de fala. Lutamos por isso”, afirmou Sauma. 

No ano passado, fizeram shows nas ocupações através de convites de pessoas que admiravam seu trabalho. Agora, elas enfrentam as dificuldades de conseguir produzir uma peça independente e contam com o apoio de fãs, amigos, familiares e simpatizantes. Elas criaram um crowdfunding para conseguir arrecadar o necessário para viabilizar o espetáculo e realizar o sonho de entrar em cartaz falando do tema que as uniu e motivou durante os últimos anos.

E nesse novo momento da cena teatral dominada por mulheres não existe competitividade! Os dois coletivos já entraram em contato um com outro e Rayza Noia, do coletivo As Minas, deixou bem claro. “Admiro muito elas. Nos falamos já. Só não tivemos tempo de nos encontrar, porque estamos todas correndo para realizar os espetáculos, mas assim que tivermos um tempo adoraria que sentássemos para conversar”. Nesse clima de parceria e sororidade, os teatros cariocas devem ter uma das temporadas mais interessantes e que ninguém deveria deixar de conferir. (texto de Rodrigo Cohen)

Serviço:

Coletivo As Minas

Eu (Quase) Morri Afogada Várias Vezes – Sede das Cias.

Estreia 17 de Março até 24 de Abril de 2017 – Sexta a segunda, sempre às 20h

Mulheres de Buço

Contribua para o crowdfunding em :httpss://www.embolacha.com.br/projects/mulheres-de-buco-em-peca-show/