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God Save the Queer!

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Na segunda quinzena de junho abre, no Rio de Janeiro, no Parque Lage, a mostra “Queermuseu”, que transcendeu a seus significados intrínsecos, ganhando visibilidade devido à oposição, por setores retrógrados da sociedade brasileira avessos à vivência artística, e que, com argumentos moralistas, reavivaram um monstro adormecido no fundo do lago do esquecimento da repressão brasileira: o Monstro da Censura. 

Foi, de certa forma, um oportuno alerta à sociedade,  que, em tempo hábil, soube reagir e se mobilizar, articulando os canais corretos e fazendo com que os brasileiros percebessem os riscos a que estão expostos com esses bandos de fanáticos organizados, que se articulam apelando para o ódio, o preconceito e o sentimento primário de medo ante o diferente e o contemporâneo.

A “Queermuseu”, com curadoria de Gaudêncio Fidelis, é uma mostra de arte, que dialoga com a diversidade das sexualidades na produção cultural. Alguns elogiam. Outros a criticam. Porém, o que a torna um evento merecedor de todas as e atenções é seu significado desafiador, neste Brasil de polarizações, em que ela pode se tornar decisiva para a liberdade da produção cultural do país. Como seu curador, Gaudêncio Fidelis teve esta percepção e tem sabido conduzir com inteligência este impasse. Gaudêncio é o nosso entrevistado, pelo repórter João Francisco Werneck, nesta segunda-feira...

God Save the Queer! 

Gaudêncio, quando você começou a trabalhar com arte? E como curador?

Há cerca de 30 anos, pois eu já estava realizando determinados trabalhos de curadoria, e organizava exposições quando ainda estava começando minha produção de arte, que é a área onde comecei. Posteriormente, com a conclusão do mestrado e início do doutorado, abandonei definitivamente a produção artística e dediquei-me exclusivamente ao trabalho de curadoria e história da arte. 

Quando e onde foi a primeira exposição do Queermuseu?

A “Queermuseu” abriu em 15 de agosto de 2017, no Santander Cultural em Porto Alegre.

Como foi o dia em que a exposição foi censurada em Porto Alegre? Quem, o?cialmente, (O banco Santander, MBL, o movimento evangélico, a justiça) pode ser o culpado pelo ato de censura que aconteceu em Porto Alegre?

O Banco Santander é o responsável em última análise pela censura e fechamento da “Queermuseu”, inclusive tendo-a condenado moralmente na nota de imprensa que é a única manifestação pública que realizou desde o fechamento da exposição, em 10 de setembro. Mas sob o ponto de vista da falsa campanha difamatória, o MBL – Movimento Brasil Livre- foi quem a colocou sob os ataques que resultaram em seu fechamento em apenas 2 dias. Isso, contudo, não exime o Santander da responsabilidade de ter fechado a exposição. Movimentos e setores fundamentalistas, setores da ultra direita e da direita brasileira e outros grupos obscurantistas se juntaram à narrativa difamatória da exposição somente após seu fechamento. 

Você saiu com algum desafeto deste episódio? Qual foi a sensação em ser censurado? 

Recebi uma centena de ameaças de morte, e também ataques de membros dos diversos setores da sociedade, e nisso, alguns da área artística, que sequer viram a exposição. Vale salientar nesse contexto a teoria conspiratória do Sr. Justo Werlang, Presidente da Fundação Iberê Camargo, publicada no Jornal Zero Hora, que desenvolveu a tese absurda de que eu teria criado todo o incidente da “Queermuseu” e o planejado. O argumento dele é que eu teria interesse em alavancar minha carreira a um patamar internacional. Mas sabemos que esse ataque responde a interesse escusos ligados ao Santander. No mais o que eu encontrei foi o apoio de vastas parcelas da sociedade brasileira do campo progressista que se juntaram na defesa da liberdade de expressão e contra a censura. E é isso o que importa. 

Antes da exposição chegar à Porto Alegre, havia manifestações contrárias à chegada dela? Quando começaram os protestos contra a exposição? 

Não, absolutamente. A exposição é celebrada pelo público até o dia do seu fechamento.  Foram cerca de 32 mil pessoas em apenas 26 dias. Tanto é assim que não há qualquer registro de pessoas que de fato viram a exposição e que a tenham criticado. As críticas e os ataques vieram sempre de pessoas que não a viram. O que aconteceu antes foram ataques presenciais coordenados por um grupo de três a cinco pessoas do MBL. 

Qual foi o papel do Álvaro, e sobretudo da família (Lygia) Clark, que esteve lá em Porto Alegre durante os acontecimentos já discutidos? 

O Álvaro Clark e família a Clark foram excepcionais na construção da “Queermuseu”, emprestando todas as obras que solicitamos e facilitando estes empréstimos. Eles são extremamente engajados na defesa da liberdade de expressão e na luta contra a censura, e por isso decidiram de imediato vir a Porto Alegre para a manifestação contra o fechamento da exposição. A generosidade da família foi incomparável, pois, além disso, eles sugeriram e deram permissão para que as obras “Cabeça coletiva” e o “Eu e o tu” fossem retirados da exposição para participar da manifestação junto com o público (que estava do lado de fora do museu). Isso foi um ato histórico e a sociedade brasileira tem esta dívida com a família e a “Associação o mundo de Lygia Clark”

Quem mais ? cou do seu lado, naquele momento, que merece destaque? 

Inúmeras parcelas da sociedade brasileira, artistas, lideranças políticas progressistas, parlamentares e sobretudo a imprensa nacional e a internacional, que entenderam a gravidade do momento. Mas considero que tais manifestações não foram por mim, mas pelo combate a essa onda de obscurantismo que atacou a universo simbólico da arte e o conhecimento.

Depois de toda problematização da arte em Porto Alegre, aconteceu a condução coercitiva para depor na CPI dos Maus-Tratos no Senado. Como foi isso? (O senador responsável pela CPI era o Magno Malta, evangélico, muito pouco erudito, e que queria mostrar trabalho para o MBL...) Que lição pode-se tirar deste episódio? 

O Senador Magno Malta é um fundamentalista notório e utilizou a CPI dos Maus tratos, que preside, como já o fez anteriormente, para perseguir artistas e profissionais com motivações eleitoreiras. Mas vencemos essa etapa e mostramos para a sociedade brasileira os interesses obscuros por trás da CPI e seu processo de criminalização da arte. 

Atualmente, você está com um trabalho sobre criminalização da arte. São palestras por São Paulo que tratam de democracia e a judicialização da arte. Poderia falar um pouco desse movimento, em que você é protagonista...? 

A Caravana “Queermuseu”, que aconteceu em diversas cidades de São Paulo, foi uma iniciativa extraordinária de diversos membros da área acadêmica. São debates qualificados sobre todas as implicações dentro desse movimento de criminalização da produção artística. Estamos preparando outra ainda maior que deveria cobrir cerca de 10 cidades. 

Um dos seus principais temas é judicialização da arte. Há um excesso dos juízes ao tentar moralizar a arte? 

A “Queermuseu” foi permeada por embates jurídicos em diversas instâncias. Há um movimento baseado em pressuposições equivocadas, do setor de classificação indicativa do Ministério da Justiça, de criar um manual de classificação para as artes visuais. Isso será uma tragédia para arte brasileira em muitos dos seus aspectos. Esse movimento parte, sim, de pressuposições equivocadas no âmbito da psicologia das imagens, da lei, e é, em verdade, fundamentada em princípios moralistas muito fortes.

A exposição virá ao Rio de Janeiro em junho, mas o Crivella já barrou negociações para o Museu de Arte do Rio para trazer a mostra à cidade em outra ocasião. Como será feito desta vez? E como vai ser se houver novas manifestações? 

O prefeito Marcelo Crivella, outro fundamentalista notório, realizou uma intervenção para que a exposição não fosse realizada no MAR-Museu de Arte do Rio. Trata-se de uma atitude das mais chocantes que já se viu na história da administração pública brasileira. Crivella mentiu para a sociedade brasileira e difamou, inclusive, a biodiversidade da cidade ao dizer que a exposição só “viria ao Rio se fosse no fundo do MAR”. Imediatamente, o diretor do Parque Lage, Fabio Swarcwald, declarou que levaria a exposição para o Parque, uma atitude que demonstra responsabilidade pública e coragem, e desde então estamos trabalhando intensamente para isso. A campanha de crowdfunding para trazer a “Queermuseu” ao Rio foi a mais bem  sucedida da história do financiamento coletivo no Brasil, arrecadando a soma recorde R$ 1.081,176. O mais importante de se entender sobre esse sucesso é que ele foi resultado de uma resposta da sociedade brasileira ao obscurantismo, dizendo claramente que não aceita censura nem cerceamento de qualquer liberdade à produção de conhecimento.

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COLETES À PROVA de balas vencidos, armas obsoletas, carros sucateados, equipe reduzida, são precárias as condições de trabalho dos 108 vigilantes federais da UFRJ. A reitoria promete comprar quatro viaturas. Os vigilantes a?rmam precisar de oito. Lembrando que vigilante não é policial, e eles não têm preparo para enfrentar tra?cantes de armamento pesado. Retrato do descaso no Fundão. 

Entrevista por João Francisco Werneck