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Brasileiro emigra para os EUA para entrar no exército e participa de guerras como soldado 

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Lima, 45, solta uma gargalhada contagiante. “Poxa, meu amigo, que é isso! Muito obrigado”, diz o sargento reformado do exército dos Estados Unidos após receber elogios pela risada. O militar participou de incursões durante as guerras do Iraque e do Afeganistão. Matou algumas pessoas. “Adversários”, como prefere chamar. O brasileiro ainda carrega o sotaque mineiro de Belo Horizonte, local de nascimento. Na infância, jogava bolas de gude, andava de bicicleta e resolvia casos de bullying “na porrada”. O riso fácil some quando ele lembra da primeira morte que presenciou em combate. “Já sabia que ia ver, mas você nunca está preparado”, lamenta. “Depois que você vê um amigo morto, cara, aí desce o dedo em todo mundo. O ódio passa a comandar a reação. É vingança”, completa. 

Apesar disso, o militar garante que nunca atirou em alguém que não estivesse o alvejando. Lima foi afastado da corporação por ‘razões médicas’, após servir por sete anos e oito meses. “A gente vê muitas atrocidades. Muita criança…”, pausa a fala. “Vi cada coisa lá que, até hoje, tento não pensar”, diz pigarreando. O pai do sargento Lima integrou o Batalhão de Suez, nas Forças de Paz da ONU, em 1962. À época, foi subordinado de Carlos Lamarca, de quem tornou-se amigo. A figura paternal é importante: por causa dela, o menino mineiro começou a fantasiar sobre a carreira militar. “Meu pai sempre foi apaixonado por armas. Tínhamos várias em casa. Comecei a mexer com elas a partir dos 11 anos”, recorda. Em 2004, aos 31 anos, rumou para os Estados Unidos. O sonho era se tornar um soldado americano. “Fui trabalhar para ganhar o Green Card. Recrutadores do exército me garantiram que só por meio do trabalho obteria um e, então, estaria apto a me alistar”, comenta. 

Sua porta de entrada nos Estados Unidos foi a cidade de Bentonville, no Arkansas. Lá, foi gerente de um piano bar voltado para executivos. Depois de todos os trâmites, Lima, enfim, poderia se alistar. Formulários preenchidos e documentos entregues, realizou testes físicos e, por fim, uma prova que serve para indicar quais trabalhos o alistado pode realizar dentro do exército. O sargento Lima não precisava de uma nota tão alta. “Tirei 115, podia aplicar para qualquer trabalho. Mas queria mesmo entrar para a infantaria, um dos postos mais baixos. Não requer muito cérebro”, ironiza.  “Queria ir para a guerra o mais rápido possível”, justifica. Integrantes da infantaria são chamados mais rapidamente para zonas de conflito. No front, sofrem estresse físico e psicológico. Casualidades também vêm em maior volume.

Em 2008, Lima veria isso de perto. Ele estava em uma base no sul da Alemanha quando sua unidade foi mobilizada para o Iraque. “Iríamos patrulhar a fronteira com o Irã. Não havia combate”, afirma. Só que “em quinze segundos, tudo muda”. A companhia de Lima precisou atuar nas batalhas de Sadr City. “Descemos no aeroporto de Bagdá sob ataque. Bomba explodindo para todo lado. Fogo, feridos correndo, helicóptero decolando”, diz. No dia seguinte o sargento estava nas ruas, atirando. Sadr City foi um dos últimos berços da resistência iraquiana.  Eram 24 horas de batalha quase todos os dias. 

Lima permaneceu no Iraque por 15 meses. O retorno aos Estados Unidos foi complicado. “Quando você volta percebe que está alterado. Tive que fazer dois anos de tratamento psiquiátrico”, comenta. As dificuldades prejudicaram seu casamento e ele se divorciou. Após se recuperar com ajuda de uma terapeuta, partiu, em 2010, para o Afeganistão, onde assumiu posição de liderança. Lima diz que no exército não importa a origem do soldado. “Vai na frente quem tem mais experiência”. Depois emenda frase que poderia ser proferida por um militar motivacional de Apocalypse Now ou Platoon: “Não interessa a cor. Todo mundo aqui é verde”. Em território afegão, o time do sargento  se estabeleceu na província de Candaar. Depois participou de ação em área que não pode ser revelada. “Era uma fábrica de bombas. Os helicópteros despejaram a gente. Ficamos 37 dias vivendo no telhado até limpar a fábrica, porque colocaram armadilhas em tudo”, comenta. Todas as noites forças inimigas tentavam recuperar materiais do local. “Era foguetório o dia inteiro”. Findada a missão, a equipe seguiu para as montanhas com objetivo de desarmar minas:“Limpei muito campo minado à noite. Uma das piores coisas que já fiz na vida”. 

Lima ficou um ano no Afeganistão. Não soube (ou não quis) informar quantos soldados inimigos matou nas duas incursões. Também evitou comentar sobre mortes de civis. Em 2011, já em território americano, foi dispensado de serviço pelas alegadas ‘razões médicas’. Apesar da baixa, decidiu ficar de vez nos Estados Unidos. O exército ainda está no sangue, mas a vida agora é mais tranquila. Ao lado da nova mulher, também veterana de guerra, produz cervejas artesanais no Colorado. 

Os dois cogitam formalizar o casamento numa cerimônia em Las Vegas, guiada por um daqueles juízes de paz travestidos de Elvis Presley. Admira Donald Trump e sua política de imigração, mas se decepcionou com o Partido Republicano. No Brasil, votou pela última vez em Enéas Carneiro e gosta de Jair Bolsonaro. Mas não sente falta da política. Tem saudades mesmo é do seu time de coração, Cruzeiro, e do tropeiro servido no Mineirão.