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William, aprenda: se a coisa tá preta, a coisa tá boa, pode acreditar 

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Quero começar esse artigo afirmando que "se a coisa tá preta, a coisa tá boa, pode acreditar", como canta o rapper Rincon Sapiência! A luta, história e resistência do povo negro só me dá orgulho. Nossa cultura, estética, religiosidades, musicalidades, tecnologias, foram e sempre serão referências para o mundo da diáspora africana e dentro dela. 

Um comentário racista de um jornalista racista não vai diminuir aquilo que somos. Porém, é importante apontar algumas especificidades dessa ferramenta estruturante do capitalismo: o racismo. 

Parto do pressuposto de que o conceito ‘negro’ é fruto de uma construção social. Essa categorização designou ao longo da história uma subalternidade nas relações entre os brancos e não brancos. As consequências desse imaginário configura a questão racial dentro de uma ótica econômica, ou seja, esse negro inferiorizado no processo histórico se torna mercadoria.

O negro é uma invenção do branco para garantir um processo de racialização da sociedade, colocando em estruturas de privilégios os brancos donos do poder e do dinheiro. Em paralelo a isso, o lugar do negro, a África, é tida pelo olhar eurocêntrico como um território inferior, repleto de superstições e mitos, incapaz de evoluir, porém com potencialidades de enriquecimento do bolso dos grandes sequestradores/traficantes dos navios negreiros.

O conceito de ‘negro’ leva ao indivíduo negro ao lugar do não humano, ao lugar do invisível, ao lugar da mercadoria, ao lugar do escravo da colonização, ao lugar da inferioridade. 

Essa herança maldita está impressa em nossa história, mas não perpetuada. Quando um caso de racismo surge de forma explícita, como no caso do jornalista da Rede Globo, William Waack, muitas pessoas ainda se chocam por acreditar que vivemos em um país sem racismo. Ei, psiu, a democracia racial é um mito! 

O racismo não é meramente um ódio de uma raça por outra, seja por motivos religiosos ou étnicos, mas ele é um mecanismo de poder, de dominação, de organização social. 

Algumas marcas desse processo formaram e teceram a história do Brasil. Partindo desse meu lugar de fala (enquanto homem negro) quero afirmar que: nossas lutas não são reconhecidas, nossa história deixa de ser contada, nosso desenvolvimento afetivo é paulatinamente embranquecido, nossos corpos são massivamente assassinados e encarcerados. Somos nós que ficamos na fila do desemprego, são nossas mulheres que morrem nas filas dos hospitais. Não à toa, nosso cabedal intelectual contemporâneo é cotidianamente invisibilizado pelo racismo epistemológico e estrutural. Nossos jovens tendem a ter menos acesso ao ensino superior e a representatividade política pelo numero de parlamentares é pífia. 

Mas deixa eu falar uma coisa para o caro colega racista William: a coisa tá preta mesmo, mas tá boa, viu. Nunca se viu na história do nosso país tantos coletivos negros pipocando em tudo quanto é cidade do país, nunca vimos tanta pesquisa saindo da academia denunciando as violações de diretos que sofremos, nunca tivemos tantos aliados na luta contra o racismo. Hoje vemos nossa cultura gerando renda para a própria comunidade negra! 

Teses e dissertações desenvolvidas pela nossa comunidade negra, livros escritos, peças teatrais em cartazes nos melhores picos da cidade, Oscar no cinema, ouro nas olimpíadas, vitórias nas pistas automobilísticas, de fato o povo preto tá tomando aos poucos, de forma tímida, o lugar que é seu por direito. 

Diante de toda tentativa de isolamento do corpo negro, nós somos a mola propulsora deste país, quiçá do planeta. Somos a maioria desta população que trabalha para fazer esse país andar. Nossa vitória caro colega, não será por acidente. Aceita que dói menos. A coisa tá preta mesmo, mas tá muito boa.

*Walmyr Junior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor, membro do MNU e do Coletivo Enegrecer. Atuou como Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ