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Guerra ?scal global 

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A recente decisão do presidente norte-americano, Donald Trump, de impor barreiras tarifárias à importação de aço e alumínio é apenas um dos capítulos de um movimento com contornos de uma guerra fiscal global. O cenário que se desenha envolve a volta de medidas protecionistas e o fluxo do comercio internacional pode ser prejudicado pelas restrições às exportações. 

 No fim do ano passado, depois de mais de 20 anos de discussão no Congresso, o governo republicano bateu o martelo e reduziu a alíquota básica de imposto de renda das empresas para 21%, uma redução de quase 30% em um pacote que embute diversas medidas para tornar o território norte-americano espaço preferencial para investimentos. Não foi o único governo a caminhar nessa direção. Dados compilados pela OCDE mostram que o imposto de renda médio das empresas dos países do grupo vem caindo desde 2008. Noruega, Austrália, entre outros países também realizaram cortes nessa área recentemente.

Um estudo da OCDE indica que, depois da crise do fi m da década passada, o peso do imposto de renda das empresas no total de arrecadação de impostos do grupo caiu 2,4%, permaneceu nesse nível até o ano passado e, pelo movimento recente americano, deve cair ainda mais.  Já a participação das contribuições sociais sobre o total arrecadado aumentou 2%. Voltou a cair em 2010, mas a queda foi compensada pelo aumento da participação do imposto de renda das pessoas físicas e dos impostos de bens e serviços.  Somados, os três grupos neutralizaram a queda do imposto de renda das empresas. 

Outro levantamento sobre a reforma americana, realizado pela KPMG e publicado no início desse mês, mostra que os benefícios diretos às empresas superam em 22% aqueles que foram dados aos indivíduos. O governo abriu mão de US$ 1,951 trilhão em receitas das empresas e deve aumentar a arrecadação em cerca de US$ 885 bilhões – um saldo de US$ 1,06 trilhão a favor das corporações. No caso dos indivíduos, o saldo será de US$ 871 bilhões, com uma perda de US$ 3,2 trilhões de receitas e um aumento de US$ 2,3 trilhões na arrecadação. 

Os números frios, porém, não espelham toda a lógica da lei federal de Cortes de Impostos e geração de Empregos (Tax Cut and Jobs Act). No blog que o escritório de advocacia americano MintzLevin produz sobre questões de emprego (Employment Matters Blog), os especialistas dessa prática listaram os principais impactos das novas regras sobre empregados e empregadores. A lei mexe com subsídios em várias áreas, dos planos de saúde ao transporte e alimentação, incentiva benefícios que geram empregos ou que produzem ganhos de renda para os trabalhadores, reduz ou elimina medidas que oneram as empresas e aumenta contribuições sociais tanto de empregados como de empregadores.

Manicômio tributário brasileiro

Em dezembro de 2016, os litígios tributários nas 35 maiores empresas do país equivaliam a 43% do Patrimônio Líquido (PL) e a 31% da Receita Bruta (RB) desse conjunto. Já as disputas trabalhistas correspondiam a 7% do PL e 5% da RB. Trata-se de um volume relevante, embora leve em consideração apenas o que as companhias indicam como perdas prováveis – que são registradas como despesas porque a chance de ganhar a causa é quase nula – e perdas possíveis, ou seja, aqueles processos onde a chance de vitória é remota e, por isso, são obrigatoriamente citados nas notas explicativas. 

Quem fez a conta foi o tributarista Paulo Pêgas, que conferiu – balanço por balanço – o volume de litígios tributários e trabalhistas nas maiores empresas do Brasil. A situação reflete o que Pêgas chama de “manicômio tributário”. Diz isso porque considera que a cobrança de impostos e contribuições no Brasil não requer apenas uma reforma tributária, mas um novo modelo, pois o atual se esgotou, perdeu o sentido e não se sustenta institucionalmente.

Há muitas distorções no modelo que, entre outras coisas, desagrega o imposto de valor adicionado (IVA) em tributos municipais (ISS, sobre serviços), estaduais (ICMS, sobre circulação de mercadorias e serviços) e federais (IPI, sobre indústria). Além disso, os sistemas são falhos, principalmente para reconhecer compensações. Isso explica, em boa medida, a alta litigiosidade na área tributária. 

O levantamento realizado por Pêgas pode sugerir ainda que o não pagamento de impostos e contribuições é uma forma que algumas companhias usam para se financiar. Chama atenção o fato de que o volume efetivamente provisionado represente pouco mais de 5% do montante registrado nas notas. Em alguns casos, a empresa não chega provisionar nem 1%. 

 Os especialistas da área garantem, porém, que a situação reflete mais a complexidade do sistema tributário do que a má fé das empresas. Para o advogado tributarista José Andrés, do Chediak Advogados, a conta pode ser muito maior e, com certeza, essa não é a realidade em outros países, embora não exista um indicador comparativo. Isso porque, antes da via litigiosa, é mais comum o recurso administrativo, etapa em que não há exigência de depósito judicial e que não aparece nos balanços. 

Andrés garante que esse cenário, com tantas incertezas, não é bom negócio nem mesmo para os advogados que ganham sobre as causas.  Segundo ele, melhor seria dar um parecer, uma recomendação ao cliente, com a certeza de que aquele é o entendimento da Receita Federal e das instâncias estaduais.