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Racismo:  Exclusão herdada (de pai para ?lho) 

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A desigualdade de renda e a discriminação racial avançam entre gerações.    

Matéria publicada no jornal “The New York Times”, de 19 de março último, reproduzida no site brasileiro www.nexojornal.com.br, traz uma importante pesquisa sobre os fatores determinantes para a compreensão do problema e a forma de lidar com as consequências da presença da discriminação racial contra jovens negros homens e mulheres, nos Estados Unidos, e os efeitos da adoção de políticas de combate a tais práticas, bem como sobre a renda e a mobilidade social entre gerações por faixa de renda.  

Por ser bem documentada e apresentar indicadores consistentes sobre o tema, o resumo de suas principais observações podem ser úteis ao leitor, em especial àqueles que são vítimas ainda hoje de semelhante aberração em nosso país. 

O “Jornal do Brasil”, com frequência, tem dado espaço para a divulgação de artigos sobre o tema em sua página de opinião localizada no primeiro caderno. Artigos de diferentes autores  trazem a observação e o resultado de pesquisas  que apontaram os efeitos da  crise recente da economia, assim como os impactos sobre a população desempregada, nos quais  foi identificada a presença de uma distribuição de ônus diferenciado: o desemprego penalizou de forma mais pesada os jovens, menos qualificados, em especial os negros, e, entre estes, as mulheres foram as que apresentaram situações de maior vulnerabilidade (perdas), mesmo quanto aquelas que dispunham do mesmo nível de escolaridade e qualificação que os homens negros, o que demonstra que a questão envolvendo a discriminação racial apresenta uma dimensão em dobro, onde o gênero serve como fator de dupla significância.    

No Brasil, a questão racial mantém-se ignorada por mais de um século e, mesmo que colocado em fóruns de debate. O tema efetivamente não avança. A adoção do sistema de cotas nas universidades públicas, sem dúvida, é um avanço. No entanto, significa apenas uma pedra a ser colocada na pavimentação e construção da estrada do combate aos efeitos da realidade secular de desigualdades perpetuadas contra os negros e seus descendentes. 

Todavia, é apenas um começo tímido e precário como podemos observar na análise da pesquisa apresentada pelo NYT. 

O que traz a matéria publicada pelo maior jornal dos Estados Unidos?

“Uma pesquisa liderada por pesquisadores de Stanford, Harvard e Census Bureau, revelando que a desigualdade de renda entre negros e brancos é explicada em grande parte pelo que acontece com os jovens, com efeito sobre homens que eles se tornam. 

Embora as meninas negras e as mulheres enfrentem profundas desigualdades em muitas medidas, as meninas negras e brancas de famílias com rendimentos comparáveis alcançam rendas individuais semelhantes às dos adultos. 

Rapazes negros criados nos Estados Unidos, mesmo nas famílias mais ricas e vivendo em alguns dos bairros mais ricos, ainda ganham menos na idade adulta do que os brancos com antecedentes semelhantes, de acordo com um novo estudo abrangente que traçou a vida de milhões de pessoas. Garotos   brancos que crescem ricos provavelmente permanecerão assim. Os meninos negros criados no topo, no entanto, são mais propensos a se tornarem pobres do que permanecerem ricos em seus próprios lares adultos. 

O estudo foi baseado em rendimentos não identificáveis (anônimos), com dados demográficos para praticamente todos os americanos que hoje estão na faixa dos trinta e poucos anos, e contesta várias outras hipóteses sobre desigualdade de renda. 

As lacunas persistiram mesmo quando meninos negros e brancos cresceram em famílias com a mesma renda, estruturas familiares similares, níveis de educação semelhantes e até níveis semelhantes de riqueza acumulada. 

Se a desigualdade não é explicada por traços individuais ou domésticos, prevalece muito do que provavelmente está fora do lar - nos bairros vizinhos, na economia e numa sociedade que vê os meninos negros de maneira diferente dos meninos brancos e até mesmo das meninas negras. 

Os autores, incluindo o economista de Stanford Raj Chetty e dois pesquisadores do Census (Instituição responsável pela coleta de estatísticas públicas nos Estados Unidos), Maggie R. Jones e Sonya R. Porter, tentaram identificar os bairros onde os meninos negros têm melhor desempenho assim como os brancos. 

Os poucos bairros que atenderam esse padrão estavam localizados em áreas que mostraram uma menor discriminação em pesquisas e testes de viés racial. Na maioria das vezes, os índices de pobreza destas localidades eram baixos. 

Ao mesmo tempo, os meninos se beneficiam mais do que as meninas da atenção e dos recursos dos adultos.

A importância de um exemplo na Educação

Uma ampla variedade de estudos descobriu a importância da figura de educadores (mentores), que não são pais de crianças, mas que compartilham o gênero e a raça dessas crianças, e constatou que essas pessoas desempenham um papel particularmente importante na educação das crianças negras. Em função do reforço da autoestima nos mais jovens . 

Isso ajuda a explicar porque a presença de pais negros envolvidos com a realidade de sua comunidade (bairro), mesmo que não no lar de uma criança, pode fazer uma diferença positiva no processo de educação de adolescentes. 

Algumas das mais amplas lacunas de renda negro-branco deste estudo aparecem em comunidades ricas, o que se encaixa com pesquisas anteriores que mostraram que os efeitos da discriminação racial cruzam as linhas de classe. 

Embora todas as crianças se beneficiem de crescer em lugares com renda mais alta e mais recursos, as crianças negras não se beneficiam tanto quanto as crianças brancas. Oferecer aos meninos negros oportunidades não é garantia de que eles possam aproveitá-las, se alguns símbolos de preconceito e práticas segregacionistas não forem removidos da sociedade. 

Em uma avaliação dos efeitos da desigualdade em escala temporal, a pesquisa capturou indicadores de dados de renda entre períodos de uma geração, e encontrou que os afro-americanos compunham cerca de 35% na geração passada e de todas as crianças criadas no 1% mais baixo da distribuição de renda. Eles constituem menos de 1% das crianças no topo. Este quadro captura uma fonte intergeracional de desigualdade racial. 

As crianças brancas são mais propensas a começar a vida com vantagens econômicas. Mas agora sabemos que, mesmo quando começam com as mesmas vantagens que as crianças negras, os meninos brancos ainda se saem melhor.” 

 A realidade norte americana e a brasileira são distintas e de difícil comparação. Contudo, algumas mensagens podem ser extraídas da pesquisa aqui enunciada. Há muito o que fazer em nosso país, e será longo o caminho para a superação das dificuldades associadas com as práticas de exclusão.