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A doença mortal dos juros altos

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Voltando ao tema das imperfeições na oferta de crédito na economia brasileira, assunto que vem despertando análises diárias em praticamente todos os veículos da imprensa, em parte puxadas pela necessidade de discutir o problema de forma mais consistente. Nesse aspecto, as matérias publicadas pelo JB, em especial, e as análises feitas por esta coluna, no particular, ao longo dos últimos dias, serviram para colocar os nossos leitores diante dos impactos negativos do processo, especialmente ao apresentar a dimensão do problema em escala macro. Ocorre que, mesmo depois de uma redução expressiva na taxa básica de juros, praticada pelo Banco Central  - 4,5 % em dados anuais e 1 % a.a. ao longo dos últimos três meses -, a taxa média praticada pelos bancos para a concessão de empréstimos subiu, no período mais recente, cerca de 2,4 % a.a. (31,99 % a.a. em dezembro para 33,30% a.a. em março). \no mesmo período a taxa de inflação medida pelo IPCA, caiu de 4,75 % para 2,89 % aa. 

Detalhe: a taxa média dos juros praticada pelos bancos, esconde uma enorme dispersão, na medida em que, para alguns segmentos, a taxa de juros praticada pode ser superior aos 300% a.a., sendo quase raras as operações com taxas de juros inferiores aos 26.5% a.a., como podemos verificar no site do próprio BC.

O que pode explicar tamanha anomalia?

Se a taxa de captação dos bancos (custo de emissão de CDB’s) gira em torno da taxa Selic, acrescida de um custo de captação que depende da avaliação individual do risco de cada instituição, que, em média, não é superior a 1,2% a.a., o que pode justificar um custo de empréstimo tão alto? 

Para entendermos os componentes do chamado spread bancário - a diferença entre a taxa de captação e a taxa de empréstimo -, precisamos dissecar os componentes que justificam a composição, que são basicamente: a taxa de inadimplência observada e a evolução esperada no período da concessão do empréstimo, que, segundo estudos empíricos de diferentes fontes, representa algo como 34% do spread. O restante fica distribuído da seguinte forma: 37 % para a cobertura dos custos do banco e margem bruta de lucro, e 29 % para a cobertura de encargos com impostos e contribuições.

Abrindo a caixa preta do spread bancário 

Admitindo que as pesquisas sobre o tema estejam corretas, podemos inferir que, ao menos um quinto da formação do custo efetivo de um empréstimo ou financiamento, é capturado pelo Tesouro Nacional, tendo no IOF o principal componente. O governo federal é um agente ativo do processo de encarecimento do custo dos empréstimos. 

O 2º componente, a chamada inadimplência, incorpora o valor dos créditos concedidos e não pagos ou em atraso superior aos  90 dias, sendo indicador que expressa a evolução do comportamento esperado da variável. Uma parte das provisões com os créditos em liquidação pode ser deduzida dos encargos com o imposto de renda a ser pago pelos bancos nos exercícios seguintes à provisão. 

O comportamento da inadimplência espelha uma série de variáveis, sendo, as mais importantes, a deficiência dos bancos no processo de seleção de risco do beneficiário do empréstimo, as flutuações na atividade econômica, sendo o desemprego a causa mais frequente de perda na capacidade de pagar. Outro ponto frequentemente colocado pelos bancos passa pela lentidão do processo de cobrança dos créditos inadimplidos e a insegurança na execução das garantias concedidas, por conta de falhas da legislação. Mesmo que tais fatores sejam verdadeiros, é pouco consistente a hipótese de erro sistemático dos modelos de precificação de riscos de crédito dos bancos, pois fatores autônomos podem contribuir para a presença de fortes distorções, como os exemplos de generosidade na concessão de créditos para o financiamento pessoal e de automóveis verificados antes da crise.

A margem bruta de lucro dos bancos tem como característica importante uma relativa rigidez no tempo, seja pela presença de imperfeições concorrenciais: cinco bancos detêm 82% do total de ativos do sistema. A estabilidade no comportamento da margem bruta de lucro dos bancos, talvez explique a frase frequentemente incorporada aos discursos dos críticos “Os bancos ganham sempre, na desgraça ou na alegria.

Brasil: o maior spread bancário do Mundo

Mas há algo  de difícil explicação, porque, mesmo com a queda significativa na taxa de juros básica na economia e a liberação de quase R$25 Bilhões nos depósitos compulsórios dos bancos, a percepção corrente aponta para manutenção dos juros em patamares que incorporam um spread, que, em valores absolutos, chega ser 15 vezes superior à média encontrada em uma cesta contendo o histórico das taxas praticadas nos principais países do mundo: EUA (2,4%), Zona do Euro (1,2%), América Latina (5,8%) e Ásia (0,6%), dados estes obtidos nos sites do Banco Mundial, do FMI e Banco Central Europeu. 

A queda na taxa de juros básica (Selic) e o aumento da liquidez por conta da diminuição dos encaixes bancários, RS$25,7, ainda vai demorar,  a surtir efeitos reais sobre o custo efetivo do crédito, por algumas razões: o chamado fenômeno do “empoçamento da liquidez”, que consiste em uma situação de forte aversão ao risco dos bancos diante de cenários com elevada insegurança,  ou, ainda, a lenta recuperação da economia, as  previsões para o comportamento do déficit público não são confortáveis, mesmo com crescimento na massa salarial real recente e com os efeitos da maior disponibilidade de renda para as famílias, em decorrência da queda dos encargos com o carregamento das dívidas (parcela disponível para o comprometimento da renda com empréstimos). 

A ampliação da oferta de crédito ao consumidor pode ser lenta em função da precariedade das relações de trabalho e do elevado índice de informalidade. Em suma, para o ano de 2018, não devemos esperar grandes mudanças no comportamento da oferta de crédito e do custo dos empréstimos bancários.