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Muito além da intervenção federal

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Lá se vão 200 dias de intervenção federal militar na área de segurança pública no Rio de Janeiro, e o governo resiste em admitir o que a população já enxerga a olho nu. A medida radical e abrangente, com o uso de militares das Forças Armadas nos três primeiros meses, fracassou. Os pressupostos que justificaram a intervenção e as medidas anunciadas para combater a criminalidade e sanear a ordem pública sequer geraram uma política de segurança. No máximo, um plano de contingenciamento da violência e do crime, com foco exclusivo na repressão policial militar.

É muito pouco frente ao investimento de R$ 1,2 bilhão aportado dos cofres federais e, principalmente, frente aos resultados estatísticos oficiais alarmantes, com o aumento de homicídios dolosos, a não reversão da incidência de mortes de policiais e a permanência da sensação de insegurança da população, afinal a “cláusula pétrea” da própria intervenção.

O uso da inteligência policial é o “óbvio ululante” no combate à criminalidade em qualquer escala. Foi por falta dela, segundo pesquisadores do grupo Observatório da Intervenção – iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes –, que a intervenção federal até agora fracassou. E comprovam os números e análises oficiais, que indicam um minúsculo emprego das propostas de inteligência no Plano Estratégico da Intervenção Federal divulgado em julho – foram apenas quatro entre as 66 metas estabelecidas. Não menos que 372 operações realizadas com a presença ostensiva das tropas nas comunidades fizeram aumentar o número de mortes, chacinas, disparos de arma de fogo e confrontos armados.

Os casos de mortes em confrontos policiais registraram o maior crescimento entre os índices divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). Aumentaram, no mês de julho, 105% (129 mortes) em relação a julho de 2017 (63).

Está claro que as medidas adotadas até agora não foram capazes de interferir na dinâmica do tráfico de drogas e no poder paralelo atuante em alguns territórios, onde grupos de criminosos, sob o regime da violência, decretaram uma espécie de novo regime político de governança. É o “mais do mesmo” ou o chamado “museu de grandes novidades”.

As indagações são óbvias. Houve uma ação sem planejamento do governo federal? As tropas foram para as ruas sem mapeamento de território, investigações prévias e monitoramento? O problema de segurança pública foi conduzido como se fosse uma estratégia militar de combater o inimigo? Quem é o inimigo?

As propostas dedicadas à estruturação e ao fortalecimento das corporações policiais capazes de criar melhorias para o trabalho policial não ganharam prioridade sob o regime da intervenção federal.

Perde-se com isso oportunidade ímpar para configuração de uma nova visão de defesa social, que inclui a implementação do Ciclo Completo de Polícia e a valorização do servidor de segurança pública, com a criação da carreira única como ingresso, por concurso público, exclusivamente na base das corporações. Como já vem ocorrendo através de iniciativas em Alagoas e Piauí, onde já se discute abertamente a carreira única nos moldes do Federal Bureau of Investigation (FBI); e em Santa Catarina, com o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) elaborado não exclusivamente pela Polícia Civil, um caminho sem volta para o sistema do Ciclo Completo de Polícia.

O Rio de Janeiro, como caixa de ressonância do Brasil, tem a oportunidade de criar um legado para muito além da intervenção. Seria um desserviço desperdiçá-la.

* Agente da Polícia Federal e vice-presidente do Sindicato dos Servidores do Departamento da Polícia Federal no Estado do Rio