ASSINE
search button

Riscos políticos da austeridade

Compartilhar

O National Bureau of Economic Research publicou recentemente o artigo “Austerity and The Rise of the Nazi Party”. Escrito por Gregori Galofré-Vilà, Christopher M. Meissner, Martin McKee, David Stuckler, o minucioso estudo econométrico busca estabelecer as relações entre política de austeridade do governo do chanceler Heinrich Brüning e a ascensão do nazismo na Alemanha nos anos 30 do século passado.
O consenso predominante, dizem os autores, sublinhava o papel dos ressentimentos nascidos do Tratado de Versalhes e as consequências devastadoras da Grande Depressão: o séquito funesto do desemprego e do empobrecimento dos segmentos sociais economicamente mais frágeis.
O consenso sustentava que a massa trabalhadora, atormentada pelo desemprego, teria votado majoritariamente no Partido Nazista. O estudo do NBER contesta a conclusão. Os votos dos desempregados correram para o Partido Comunista.
“Usamos os dados de 1,024 distritos eleitorais na Alemanha e colhemos informações sobre os votos destinados para o Partido Nazista e para os rivais Partido Comunista e Partido do Centro. Nossa análise mostra que as medidas de austeridade do chanceler Brüning estão positivamente associadas com o crescimento dos votos destinados ao Partido Nazista. Dependendo da eleição, constatamos que a cada variação positiva (intensificação) das medidas de austeridade os nazistas colhiam 2% a 5% de votos adicionais”.
A austeridade contracionista endereçou os votos da classe média e dos mais abastados para o Partido Nazista. Os cortes de gastos e os aumentos de impostos no nadir da Depressão maltrataram a classe média, já machucada pela desvalorização de seus ativos na hiperinflação de 1923 e irritaram os empresários ricos e sua coorte de profissionais liberais ilustrados.
No clássico “As origens da democracia e do totalitarismo”, Hannah Arendt diz que a Depressão foi eficaz para persuadir a burguesia alemã a abandonar as coibições da tradição ocidental. Foi esse fato que a levou a tirar a máscara da hipocrisia e a confessar abertamente seu parentesco com a escória”. A escória, na visão de Arendt, não tem a ver com a situação econômica e educacional dos indivíduos, “pois até os indivíduos altamente cultos se sentiam particularmente atraídos pelos movimentos da ralé”.
Franz Neumann, autor do clássico “Behemoth”, escreve: “Durante o boom dos anos 1924-1928 (domada a hiperinflação), foi enorme o desenvolvimento das políticas sociais na Alemanha. ‘A ilusão de segurança’ era perfeita. O padrão de vida melhorou para todos, inclusive para os desempregados. Mas os verdadeiros donos do poder estavam dispostos a fazer concessões até um certo ponto... Alcançado esse limite, os poderosos farão tudo para impedir as organizações dos trabalhadores de aumentar sua participação no Estado e de promover o progresso social. Na Alemanha não era suficiente impedir o progresso social para manter o Estado ‘seguro’ para os proprietários da riqueza. Um movimento retrógrado era necessário: o poder do Estado deveria ser mobilizado para assegurar os privilégios dos mais ricos”.
A Grande Depressão dos anos 30 e a política econômica de “ajustamento” de Brüning jogaram água no moinho do conservadorismo. Frederico Mazzuchelli, no livro “Os Anos de Chumbo”, ensina que a Alemanha, com Brüning, procurou combater a recessão com a deflação. “Sob o suposto de que os problemas da Alemanha seriam estritamente internos, ou de que face às atribulações externas a Alemanha deveria ‘fazer a sua parte’ – vale dizer, readequar a estrutura interna de custos e preços – Brüning, valendo-se do apoio do presidente Hindenburg, passou a governar através de decretos, inaugurando o ‘regime presidencialista’ dentro da parlamentarista República de Weimar. Não surpreende que as políticas deflacionárias implementadas por Brüning tenham aprofundado a própria recessão: em 1930, a produção industrial alemã caiu 13% e o desemprego vitimou mais de 3 milhões de trabalhadores, representando 15,3% da força de trabalho. Os preços, por seu turno, caíram cerca de 4%, mas o pior, como se veria, ainda estava por vir”.

* Economista