ASSINE
search button

O Capitão e os capitães

Compartilhar

Desde 1914 Charles Chaplin fez sucesso com o seu bigodinho, até que aproximadamente em 1933 viu as primeiras fotografias de Hitler. O grande artista, conhecido mundialmente como Carlitos, escreveu sobre esse fato da seguinte maneira:

“A fisionomia do homem era obscenamente cômica – um mau arremedo da minha cara, com o bigodinho ridículo, os cabelos escorridos e despenteados, um quê de repelente na boca miúda de lábios finos. Eu não podia tomar Hitler a sério”.

Visualizo uma personagem – também – “obscenamente cômica” quando escuto Jair Bolsonaro ser aclamado na política como capitão. E constato admirado que, se Hitler roubou o bigode de Chaplin, Bolsonaro está roubando a denominação política de capitão – Capitão do Povo – de Luiz Carlos Prestes.

O poeta chileno Pablo Neruda termina a “Dura Elegia”, escrita em homenagem à minha avó, Leocádia, e ao papai, que estava preso pelo governo fascista de Getúlio Vargas, assim:

“Amanhã romperemos o doloroso espinho,

Amanhã inundaremos de luz o tenebroso cárcere que há na terra. Amanhã venceremos e nosso Capitão estará junto a nós”.

Palavras proféticas que viraram realidade quando, em 1945, Hitler foi vencido; a II Guerra Mundial terminou; e meu pai veio para a liberdade. Inclusive, liberdade saudada por Chaplin, através de um singelo telegrama.

Curioso que Prestes e Bolsonaro foram expulsos do Exército. Mas é importante registrar que em circunstâncias distintas.

Meu pai, ao aderir ao Movimento Tenentista (1924), entendeu que deveria pedir baixa. A consciência não lhe permitia ser um revolucionário e continuar nas fileiras do Exército. Entendia que não podia quebrar a hierarquia que jurou respeitar e, muito menos, comprometer a disciplina pela qual tanto zelava. Acontece que sua exoneração nunca chegava (no Ministério da Guerra suspeitavam dele, seguravam o documento).

Como meu pai sabia que o seu pedido já estava nas mãos do ministro, tomou sua decisão. Liderou a rebelião militar no Rio Grande do Sul, fazendo surgir a Coluna Prestes, que marcharia 24 mil quilômetros pelos sertões clamando por liberdade de expressão; modernização do Brasil; pelo voto secreto; e pelo fim da corrupção. Foi nesse momento que os seus superiores, que retardaram o sincero pedido de baixa, aproveitaram-se e expulsaram-no.

O capitão Jair Bolsonaro relatou para o jornal “Folha de São Paulo” (15/05/2017) que foi expulso do Exército porque tentou desestabilizar a cadeia de comando do Exército. Ferindo a ética militar, gerando um clima de inquietação na organização, quebrando a disciplina ao mentir sem escrúpulos de consciência: “Em interrogatório reservado de 1987, o então capitão assinou documento no qual reconhece ter cometido uma ‘transgressão disciplinar’ ao escrever para a (revista) ‘Veja’. (...) Na reportagem, ele dizia que haveria ‘só a explosão de algumas espoletas’ e explicava como fazer bomba-relógio. ‘Nosso Exército é uma vergonha nacional e o ministro está se saindo como um segundo Pinochet’”.

É oportuno trazer aqui um fragmento do discurso de Chaplin no filme “O Grande Ditador” (1940), em que, sem medo do avanço do fascismo na Europa e da multiplicação de campos de concentração – num deles seria assassinada a primeira mulher de meu pai, Olga Benário – o comediante disse:

“Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades. O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios”.

Ele estava com o bigode do Carlitos quando pronunciou as palavras acima, aquele mesmo bigode que Hitler lhe “furtou”. A II Guerra Mundial ainda duraria mais cinco anos, resultando na morte de milhões de inocentes. Mas venceria a liberdade e a beleza, na luta contra o ódio e o desprezo.

Já tentaram roubar a patente de capitão do meu pai outras vezes. Nesse contexto é importante lembrar o ano de 1925. Quando Virgulino Ferreira da Silva foi convidado a colaborar no combate da Coluna Prestes. Em Juazeiro do Norte, das mãos do Padre Cícero e do deputado federal Floro Bartolomeu, autorizados pelo governo federal, este que era visto como bandido recebeu armas, munição, dinheiro e a patente de capitão do Exército. Assim, Lampião passava a ser um legítimo capitão, e o capitão Luiz Carlos Prestes um desertor, um facínora, um bandido. Mas, aparentemente, isso é outra História. Depois, naquela época, meu pai usava barba, o Lampião tinha a face lisa e este texto é sobre o bigode roubado do Carlitos.

* Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local

Tags:

artigo | capita | jb | opinião