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Robson Leite: "O capital privado em campanhas transforma políticos em lobistas"

Deputado defende a adoção do financiamento público nas eleições e critica lobistas de Brasília

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Três dos principais temas discutidos em Brasília nas últimas semanas podem parecer não ter qualquer relação um com o outro, mas estão mais ligados do que parecem. Os desdobramentos da Operação Monte Carlo, que revelaram as ligações políticas do contraventor Carlinhos Cachoeira, a aprovação do novo Código Florestal e o boicote à criação do imposto sobre grandes fortunas remetem a um mesmo tema: a  influência do capital privado no Poder Legislativo e a atuação dos lobistas. 

Defensor de um dos pontos mais polêmicos da reforma política, que é o financiamento público de campanhas eleitorais, o deputado estadual Robson Leite (PT-RJ) acredita que esse é o único caminho para limitar a forte influência de empresários e grandes empresas na atuação dos parlamentares. 

"Hoje, todas as grandes pautas nacionais são contaminadas pelo financiamento privado de campanha", aponta Robson Leite, em entrevista ao JB. "O Código Florestal é um grande exemplo disso. A senadora Kátia Abreu (DEM-TO) fez uma carta aos empresários do agronegócio pedindo recursos para campanhas eleitorais sinalizando para a ameaça de um Código Florestal mais voltado às ideias ambientalistas. E fica claro que o mandato destes políticos se limita a atender os interesses do grande produtor. E é por isso que eu sempre falo: o financiamento privado é o pai e a mãe da corrupção, um instrumento para enriquecer os políticos em troca de lobby. Não dá para acreditar que um empresário dê R$ 200 mil para uma campanha visando apenas o bem do país. É muito ingênuo". 

No caso do contraventor Carlinhos Cachoeira, as gravações da Polícia Federal somadas a uma rápida análise da prestação de contas eleitorais dos políticos envolvidos mostra que a quadrilha financiou a campanha da maioria deles. Empresários ligados ao bicheiro fizeram grandes doações às campanhas do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e dos governadores Marconi Perillo (PSDB-GO) e Siqueira Campos (PSDB-TO). Demóstenes, por exemplo, foi flagrado num grampo dizendo que defenderia um projeto para legalizar os jogos de azar no país, se Cachoeira quisesse. Ele também aconselhava o contraventor sobre quais projetos poderiam prejudicá-lo. 

O esvaziamento da sessão da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, que debatia a criação do imposto sobre grandes fortunas, também escancarou o lobismo dos parlamentares. As bancadas ligadas a empresários ruralistas e do setor industrial foram as principais responsáveis pelo boicote, que também incluiu os partidos evangélicos. 

JB - Deputado Robson Leite, o senhor crê que os políticos que dependem do financiamento privado acabam se tornando, em última instância, meros lobistas de seus doadores?

Robson Leite - Sem dúvida, o capital privado transforma políticos em lobistas. Obviamente, sou contra a regularização do lobby, que alguns chegaram a propor. Isso é uma grande piada. Confesso que a atuação da presidente Dilma Rouseff tem me chamado a atenção. Ela fez críticas às empresas e está pressionando os bancos a baixarem os juros. É raro ver um político ter a ousadia de fazer isso. Mas confesso que estou temeroso em relação ao Código Florestal. Acho que ela vai vetá-lo, mas podem derrubar o veto presidencial se ele voltar à Câmara dos Deputados. E isso acontece porque as grandes pautas temáticas nacionais estão contaminadas pelo grande capital. Os partidos estão enfraquecidos e acabam se vendendo como moeda de troca, viram balcões de negócios. 

JB - Esse financiamento ocorreria através do fundo partidário? 

Robson Leite - Muitas pessoas acreditam que as campanhas no Brasil são financiadas parcialmente pelas verbas do fundo partidário em conjunto com as privadas, mas não é bem assim. Hoje, o fundo partidário serve para manter o aparelhamento dos partidos. Os partidos têm funcionários, escritórios, realizam convenções, promovem palestras. O que financia esse funcionamento, em sua maioria, é o fundo partidário. 

JB - Se o financiamento público de campanhas eleitorais for aprovado na reforma política, então o governo teria que aplicar mais recursos nos partidos. O senhor não teme que a população não goste da ideia de financiar as campanhas eleitorais?

Robson Leite - Eu sempre digo uma coisa: o sistema político mais barato que existe é a ditadura. Se o objetivo é minimizar os gastos eleitorais, a saída para qualquer país é colocar um ditador no poder. A democracia é cara e difícil de ser mantida. Se o modelo atual for mantido, veremos episódios como o do Código Florestal se repetindo o tempo todo. Mas há algumas boas ideias. Certa vez, ouvi de um advogado a sugestão da criação de um fundo no qual todas as empresas que participassem de licitações seriam obrigadas a depositar. Nesse caso, um determinado percentual do valor total da licitação deveria ser depositado no fundo partidário e, depois, distribuído entre as legendas. 

JB - Hoje, a maior parte dos políticos em Brasília está comprometido em algum tipo de lobby. Isso torna a aprovação do financiamento público de campanhas um tema espinhoso da reforma política. É possível ele sair do papel?

Robson Leite - Honestamente, eu acho muito difícil. Se o Código Florestal não passou, é evidente que isso não passaria. Ainda mais porque todo o Congresso foi eleito pelo financiamento privado. Por isso eu digo que esse deveria ser um pleito da sociedade. Se o povo cobrar dos políticos, isso vai avançar. Do contrário, o sistema atual será mantido. É aí que entram os movimentos sociais, a sociedade civil organizada, a CNBB. Quem deve pautar a reforma política é a pressão da sociedade civil e o clamor de ideiais. 

JB - Os críticos do financiamento público de campanhas eleitorais argumentam que ele vai favorecer os grandes partidos em detrimento dos pequenos. Qual é a opinião do senhor a respeito disso?

Robson Leite - Realmente, partidos pequenos, como o Psol e até alguns partidos tradicionais, sofreriam muito com esse novo modelo, que deveria basear a divisão de recursos no número de representantes eleitos de cada partido. Mas vivemos num mundo duro e essa medida é muito necessária. Devemos nos questionar se é viável a existência de engajamento político e representatividade quando temos um universo de 38 partidos diferentes. Você precisa limitar isso, senão você cria situações como a do PSD. Ninguém votou no PSD em 2010 simplesmente porque o partido não existia naquela época. Mesmo assim, hoje eles estão próximos de receber uma boa quantidade de verbas do fundo partidário sem ter recebido o voto de nenhum brasileiro.