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'The New York Times': Luta contra corrupção mergulha Brasil no caos

Analistas vêem paralelos com Itália, antes de Berlusconi  e Venezuela antes de Chávez

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Artigo publicado neste domingo (16) pelo The New York Times analisa o cenário político e econômico atual do Brasil.

Times destaca que Luiz Inácio Lula da Silva, seis anos depois de deixar a presidência do Brasil como uma figura amplamente popular, agora enfrenta uma condenação por corrupção e lança dúvidas se teria apoio suficiente para decidir as eleições de 2018, caso possa concorrer.

O texto diz que a mudança não ocorreu nos últimos anos apenas com Lula, mas sim em todo o setor político e financeiro do Brasil. Seu sistema político tem sido corrompido pela corrupção notoriamente omnipresente. Embora Lula tenha sido pessoalmente recentemente envolvido, nunca foi um segredo que a corrupção é exatamente como as coisas funcionam neste setor no Brasil. O ditado "rouba mas faz" - ele rouba, mas ele faz as coisas - tem sido comum há meio século.

NYT defende que esse sistema está sendo derrubado por um judiciário que tem força e independência para desafiar até mesmo o presidente da nação e os empresários mais poderosos, em detrimento do clamor do povo, que já não tolera os velhos caminhos.

Mas as raízes da corrupção correm tão profundamente no Brasil que, como uma árvore antiga em um jardim, ou seja, arranca-la pode provocar enormes tremores e buracos, aponta o New York Times. O declínio impensável de Lula da Silva é apenas o reflexo da turbulência que atinge o Brasil.

Um número assombroso de figuras políticas tem sido implicadas, deixando o quinto país mais populoso do mundo com poucos líderes credíveis, diz o Times. A luta interna e a desconfiança pública estão crescendo rapidamente. Assim como a polarização, os cidadãos culpam cada vez mais o setor público pelos problemas do país.

Por um lado, tudo isso sugere que os esforços tardios ??para remover a corrupção, enquanto são dolorosos, estão funcionando. Por outro lado, esses traumas políticos podem trazer consequências não intencionais, descreve o editorial. Os analistas vêem paralelos preocupantes com a Itália, pouco antes da ascensão de Silvio Berlusconi ou mesmo a Venezuela antes de Hugo Chávez.

Para a economista política Miriam Golden e o economista Ray Fisman, a corrupção na política é uma espécie de equilíbrio. Ela se espalha incorporando cada ator e instituição, que se investirão em mantê-lo. Dependendo do que possa desestabilizar, já que se ramificou para diversos segmentos, é impossível prever o tamanho do caos.

Saindo de um sistema em decomposição

A corrupção pode atuar como um sistema paralelo que funciona ao lado ou mesmo substitui práticas jurídicas e políticas formais, de acordo com o texto do New York Times.

Este sistema é ilegal por um motivo. Desvia fundos públicos para o bolsos de alguns, contorna a lei, cria contravenções.  Mas também se torna um meio para que cidadãos e políticos gerenciem o dia a dia. Na Rússia, por exemplo, o sistema de saúde é subfinanciado por um desvio oriundo de subornos, permitindo que os pacientes tenham acesso a tratamentos que de outra forma não existiriam e que os médicos sejam bem pagos.

Conforme passa o tempo, essas práticas se tornam como metástases em todas as instituições, compara.

"Você não pode simplesmente mudar o comportamento de algumas pessoas", disse Fisman. "Você tem que ter uma mudança sistêmica nas crenças de todos na forma como as coisas são feitas. E temos relativamente poucos estudos de casos recentes sobre histórias de sucesso de como isso aconteceu ".

A campanha anticorrupção do Brasil é mais do que simplesmente remover algumas maçãs podres, porque são tantos os implicados, que a classe política do país está acabando.

Michel Temer, o atual presidente, também foi acusado de corrupção. Os políticos na fila para sucedê-lo se ele sofrer impeachment também estão enredados na mesma investigação, assim como muitos legisladores. Eduardo Cunha, o poderoso antigo presidente da câmara foi condenado a 15 anos de prisão em março.

Esse tipo de revisão rápida pode enfraquecer o próprio sistema político. Na Itália, as acusações de "mãos limpas" na década de 1990 ajudaram a reduzir a corrupção que se espalhou pela política do país, mas também enfraqueceu os partidos e as instituições existentes até o colapso.

Berlusconi, um estranho populista, explorou essa abertura em sua ascensão ao poder. Mas, na prática, substituiu um sistema de patrocínio corrupto por outro, estancando o progresso promissor da Itália.

"Muitas vezes as pessoas discutiram a possibilidade de que o Brasil poderia seguir a direção da Itália", disse Amy Erica Smith, professora da Universidade Estadual de Iowa que estuda o Brasil.

Os líderes restantes do Brasil são impopulares e o governo está à deriva, ressalta NYT.

A indignação pública em escândalos individuais é uma bola de neve. Uma pesquisa recente da Datafolha, encontrou uma grande insatisfação com o estado do país. Isso cria precisamente o tipo de abertura apreendida por populistas anti-establishment como Berlusconi e o presidente Chávez da Venezuela, que ganharam força em meio a ataques contra a corrupção.

"Eu realmente me preocupo em limpar todo o sistema, porque vai desmoronar", disse Ken Roberts, cientista político da Cornell. "Eu realmente tenho medo de quem será o Berlusconi brasileiro".

Uma Sociedade Polarizada

A queda do status político de Lula Silva aponta para outro problema crescente. A sociedade brasileira está polarizando de maneiras que, em outros países, se mostraram desestabilizadoras.

Ele permanece popular entre seus apoiantes, mas é oposto por outros. De acordo com a Datafolha, 30% dos entrevistados disseram que votariam nele ao invés dos outros quatro prováveis ??candidatos nas eleições do próximo ano.

Embora esta seja uma participação maior do que para qualquer outro candidato provável, a pesquisa também encontrou uma desaprovação de 46 por cento para Lula. Entre os eleitores que se identificam com as alas direitas, 57% disseram que não apoiariam Lula sob nenhuma circunstância.

"Este alto nível de polarização nos últimos dois anos no Brasil é mais típico da Venezuela, da Argentina, mas nós não estamos acostumados a isso", disse Mauricio Santoro, cientista político da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, acrescentando: "Todo mundo está um pouco perdido".

Virando-se contra o sistema

Na Venezuela, a polarização atingiu tal nível que o Judiciário acusou Chávez de usar as eleições como negócios nefastos e subverter a vontade popular. 

A política do Brasil não atingiu esses extremos, mas eles estão avançando nessa direção, observa NYT. A pesquisa sugere que quando as pessoas se desconfiam profundamente das instituições e, particularmente, quando vêem seus adversários partidários como ameaças perigosas, eles se tornam mais dispostos a apoiar os autócratas como líderes.

Isso geralmente não significa apoio para o autoritarismo aberto. Em vez disso, em tais situações, os eleitores são atraídos por conservadores que prometem reprimir adversários políticos e instituições que são vistas como ameaçadoras. 

Milão Svolik, um cientista político de Yale, concluiu em um documento recente que a polarização severa foi um dos principais motivos para a democracia da Venezuela entrar em colapso sob o comando de Chávez.

A crescente proeminência de Jair Bolsonaro, um congressista ultranacionalista que defende o retorno da ditadura militar no Brasil, sugere a crescente insatisfação, comenta Times. A pesquisa da Datafolha descobriu que 15 por cento apoiaria Bolsonaro para presidente. Enquanto Bolsonaro está longe de ser um provável vencedor, o aumento de sua proeminência choca muitos brasileiros, finaliza.

"O Brasil está agora tão polarizado quanto os EUA", disse Carlos Melo, cientista político brasileiro, acrescentando: "Se Lula ficar fora, abrirá, sem dúvida, espaço para um líder externo e muito emocional, um pouco como o presidente dos Estados Unidos Trunfo."

> > The New York Times