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'El País':“Não senti ainda nesse Bolsonaro capacidade de formular algo” diz FHC

Jornal entrevistou ex-presidente do Brasil sobre crise e reforma política

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Em entrevista realizada pelo jornal espanhol El País publicada nesta quarta-feira (13) Fernando Henrique Cardoso diz que já faz muitos anos que não está na vida política e partidária. "O seu papel agora é mais analisar e falar com independência". 

O diário diz que ele salienta que só se posiciona em nome de si próprio, nem sequer pelo PSDB, mas a voz do ex-presidente da República nunca deixou de intervir no debate público brasileiro, seja para propor soluções à crise política ou para mandar algum recado ao Governo ou aos companheiros da legenda, a qual ainda ocupa a presidência de honra.

Pergunta.  O senhor pediu um “gesto de grandeza” ao presidente Temer depois da denúncia contra ele apresentada pelo procurador-geral Rodrigo Janot. Mas ele não renunciou. Qual acha que deve ser agora a solução para os próximos meses?

Resposta. Eu de fato mandei uma carta ao presidente Temer, não para que ele renunciasse, mas para que ele antecipasse as eleições. As modificações que o Brasil precisa eu acho que mais facilmente serão feitas por alguém que tenha o apoio do voto. E eu achava que ele deveria chamar eleições no ano que vem como uma maneira de poder ter outra vez o que dizer e ser ouvido. O Governo Temer fez mais do que eu imaginava: ele mexeu na lei do petróleo, na lei de educação, mudou a questão da relação trabalhista, está tentando mexer na previdência social... Não foi um governo inerte. Apesar desse papel importante na história, ele não tem repercussão política, a sociedade nem sabe o que está fazendo e talvez nem esteja de acordo. Eu não dou conselho a quem está de presidente, mas se eu estivesse no seu lugar, eu provavelmente anteciparia as eleições, seria a maneira que eu teria de voltar a ser ouvido pela sociedade. A posição dele não foi essa, eu entendo as razões. Agora estamos já no fim do ano, e daí em diante o Brasil olhará para o futuro, as eleições de 2018, e é provável que o processo político siga normalmente até as eleições.

P. E o programa reformista do Governo também deve continuar?

R. Com menos força, porque à medida que se aproximam as eleições o papel do presidente perde força. Por isso eu creio que deveria ter antecipado. O Brasil vai continuar precisando de uma pessoa com capacidade para entender o mundo, para enfrentar os problemas de longo prazo. Isso precisa de um presidente que tenha uma certa visão. Tomara que consigamos ter um.

P. Muitas pessoas falam de que esta é a pior crise política que o Brasil já viveu. O senhor concorda?

R. Houve muitas crises sérias: o suicídio de Getúlio Vargas, o Governo de João Goulart, o golpe militar, a campanha pelas Diretas já.. Não são novidade essas trepidações na nossa vida política. Qual é a grande diferença? No passado você tinha o outro lado organizado para substituir. Agora não tem. Não se sente que exista um outro lado com um projeto claro e que a população diga: ‘é por aqui que eu vou’. A população está desconfiando de tudo e todos, está afastada, não estão acreditando em nenhum lado. É uma situação de crise grave. Segundo lugar: o que houve de fragmentação dos partidos é inédito, nós temos quase 30 partidos no Congresso. Isso não é possível, não existe isso em nenhum lugar. Está difícil a situação. De fato, eu nunca vi uma crise assim, tão sem se perceber para onde é que vamos. Mas agora as instituições melhoraram. Você no passado sempre estava pensando quem era o general. Agora você não sabe o nome de nenhum general, mas sabe o nome de todos os ministros do STF.Nem tudo foi perda. E há outra questão que os políticos não dão muita importância: aqui não tem que ter só a mudança das instituições, da economia... mas da cultura, a nossa cultura não igualitária, não democrática, de privilégios. E isso custa muito mudar.

P. Talvez o maior risco agora para o país é cair nas mãos de um aventureiro?

R. Eu não creio que vai acontecer, mas pode acontecer. Pegue o mundo todo, não só aqui. Houve uma certa desconexão entre as instituições, os partidos especialmente, e a sociedade. Isso tem muito a ver com as novas tecnologias, porque as pessoas passaram a se conectar, e às vezes até a atuarem, independentemente das instituições. Esta nova sociedade é muito mais fragmentária, a mobilidade social é muito grande, então a coesão das classes diminui. Os partidos são uma invenção do século 19 e tinham uma certa correspondência com as classes sociais. Agora estão fragmentadas as classes e os partidos, e as ideologias perderam sentido. Pega os EUA, o Trump com essa mensagem regressiva para as pessoas que perderam com a globalização; pega o Reino Unido, o Brexit... Então se vem algum free rider com uma mensagem que pegue na população ele pode ganhar. Não é necessário que aconteça isso, mas pode acontecer.

P. As pesquisas apontam um importante apoio a alguém como Bolsonaro que, por exemplo, chegou a dizer que o senhor deveria ter sido fuzilado pela ditadura.

R. É a expressão desse sentimento de que é preciso mais ordem. No Brasil nunca tivemos uma direita agressiva organizada, porque a classe dominante brasileira sempre procura disfarçar que ela é dominante. Aqui quase todos se declaram social-democratas. Até os militares que impuseram a ditadura diziam que eram a favor da democracia. Agora tem este fato novo de alguém que diz: ‘Eu quero a ordem, eu sou contra o crime...’. Isso é fruto também dessa sociedade nova, que tem muita criminalidade e na qual existe esse sentimento de que falta ordem. Mas ele poderá ganhar? Muito dificilmente porque eu não senti ainda nesse Bolsonaro a capacidade de formular algo mais geral, que pegue as pessoas. Mas é verdade que é um fato novo que não convém menosprezar.

Para ler a entrevista na íntegra clique aqui:

>> El País