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Dia do Índio: festa com moderação

Índios celebram Conselho dos Direitos Indígenas, mas restauro da Aldeia Maracanã não tem data

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Desde 2006, índios de 17 etnias, como pataxós e tukanos, entre outras, invadiram o prédio de estilo eclético, do século XIX, que sediou o Museu do Índio, ao lado do Maracanã, na luta pela sua transformação no Centro de Referência da Cultura Viva dos Povos Indígenas do Brasil. Hoje, no Dia do Índio, algumas das principais lideranças indígenas sediadas no Rio de Janeiro continuam na luta pelo restauro do prédio — tombado em 2013 pelo Instituto de Patrimônio Cultural do Estado do Rio (Inepac) e pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), e batizado de Aldeia Maracanã —, mas comemoram a criação, em 18 de janeiro de 2018, do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas, vinculado à Secretaria estadual de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos. A posse dos conselheiros está marcada para o dia 4 de maio.

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 São 24 cadeiras, 12 delas, indígenas. Destas, seis são compostas por lideranças das aldeias Guarani e Pataxó de Paraty, Angra dos Reis e Maricá. As outras seis vêm de organizações dos indígenas em contexto urbano, das quais fazem parte cerca de 30 mil pessoas dispersas em comunidades do Grande Rio, Baixada Fluminense e interior do Estado. Com isso, os índios puderam se organizar com CNPJ e estatuto, para realizar eventos, encaminhar sugestões de políticas públicas e buscar recursos. “Queremos criar parcerias com o estado, com as universidades e com o movimento indígena para fazer uma gestão compartilhada. Queremos um museu vivo, e não um museu que conte as histórias mortas do passado”, endossa um dos idealizadores da luta, a liderança Arassari Pataxó, de 30 anos, da Tribo Pataxó de Porto Seguro (BA). “Precisamos sair da invisibilidade. Acompanhamos a evolução tecnológica, temos de divulgar nossa cultura e mostrar o que ainda fazem com nosso povo”, faz coro o cacique Carlos Tukano, 58 anos, da etnia Tukano, do Noroeste da Amazônia, no Alto Rio Negro, que articula movimentos pela preservação da cultura indígena desde que chegou ao Rio, em 1997. 

Tukano tem feito palestras em escolas públicas e particulares “sobre quem somos nós”. “Os alunos têm uma visão estereotipada sobre os povos indígenas, de pessoas com os corpos pintados, enfeitados por penas”, diz. Porém, quando o veem com roupas, duvidam de que ele seja realmente um índio. “Estamos acompanhando a evolução tecnológica, precisamos conquistar um status próprio, divulgar nossa cultura, mostrar a realidade do que fazem com nosso povo, tudo ainda está muito ruim. Predomina um assistencialismo que não dá capacitação. Ouço falar de cotas para índios, mas, se elas existem, ainda é muito pouco”, critica.

A índia em contexto urbano Marize Guarani, 59 anos, que atuou na criação do Movimento Tamoio desde 2006 — no início a Aldeia Maracanã chamava-se Instituto Tamoio dos Povos Originários —, é outra que vê motivos para comemoração. “Agora, nosso principal objetivo é restaurar o imóvel. Não adianta tombar para deixar tombar. Queremos que a Aldeia Maracanã se torne uma fonte da história indígena para pesquisadores e estudantes”, sonha ela. Se alguém ainda duvida das profundas ligações dos índios com aquele espaço, “Maracanã” significa “bando de papagaios” em tupi-guarani. Em 1910, o Marechal Rondon montou ali o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que em 1945 contratou o etnólogo Darcy Ribeiro, que criou no local, em 1953, com Rondon, o Museu do Índio, projeto pioneiro premiado pela Unesco. O prédio também abrigou o acervo do Marechal Rondon na biblioteca de mesmo nome, conjunto que funcionou ali até 1977, quando se mudou para Botafogo. O imóvel do Maracanã, que chegou a ser usado pelo Ministério da Agricultura, foi vendido ao estado por R$ 60 milhões. Sérgio Cabral cogitou reduzi-lo a um mero estacionamento, numa construção anexa ao complexo esportivo, ou simplesmente demoli-lo. 

Os índios que ocupavam a Aldeia Maracanã  foram expulsos do local pela Tropa de Choque da PM, em 22 de março de 2013. De lá, seguiram para um acampamento de contêineres em Jacarepaguá, na Zona Oeste. O grupo passou a viver ali em situação totalmente insalubre, com 50 graus à sombra. Os indígenas acabaram transferidos pelo governo do estado para um prédio de 20 apartamentos no conjunto “Minha casa, minha vida”, a chamada Aldeia Vertical, na Rua Frei Caneca, no Centro, em maio de 2014, onde permanecem até hoje. 

A crescente impopularidade de Cabral após as manifestações nas ruas de junho de 2013, entretanto, o levou a reabrir negociações com os índios “invasores” por intermédio da então secretária estadual de Cultura Adriana Rattes. As negociações foram prejudicadas por uma dissidência indígena,  e o tombamento não foi seguido pelo restauro, que agora é a principal luta da Aldeia Maracanã. O local está abandonado, em ruínas, e foi invadido por ratos e pulgas. Não há vigilantes a proteger o prédio de outros invasores, e a situação se arrasta há anos. Até o fechamento desta edição, a Secretaria de Estado de Cultura não respondeu às perguntas feitas pelo JB sobre a restauração, projeto que sofre com a crise financeira enfrentada pelo estado, fruto de má gestão e da corrupção promovidas pelo grupo do ex-governador Sérgio Cabral.