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Fotógrafo carioca refaz os passos de São Jorge e registra, em livro, paixão pelo santo mundo afora

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César Fraga nunca foi devoto de São Jorge. Mas seu avô era, e sua mãe é. E dos fervorosos. Carioca do Leblon, 45 anos, radicado a nove em São Paulo, uma vez esbarrou com um corinthiano num hotel e puxando assunto com o paulistano perguntou se o sujeito era cristão, já que trazia uma medalhinha do santo no pescoço. A resposta foi curiosa como um gol de Biro-Biro, lendário meio-campista do Timão, que anotou pelo clube 75 gols em 589 jogos, após 11 anos de Parque São Jorge: o torcedor da Fiel não era religioso — a medalhinha era por causa do Coringão mesmo. Foi tabelando com essas lembranças que o fotógrafo teve a ideia de fazer um ensaio sobre o santo. 

“Sempre fui ligado a São Jorge por causa da família, mas não era devoto. O que me impressionava era o caráter sincrético dele. É a cara da cultura carioca e brasileira. Atrai devotos da igreja católica, ortodoxa, da umbanda e do candomblé. Muitas pessoas usam a camisa com a imagem dele sem qualquer ligação religiosa. Ele virou um ícone pop”, conta Fraga. 

A pesquisa começou com uma googlada pelo Wikipedia, foi se aprofundando e, logo, o fotógrafo percebeu que estava diante de um tesouro. “À medida que fui pesquisando, comecei a me empolgar com o roteiro. Cada enxadada que eu dava, vinha umas quinze minhocas!”, lembra Fraga, que começou a fazer ensaios domésticos sobre manifestações populares que envolvessem São Jorge, antes de seguir os passos do santo, misto de homem e mito, que teria nascido na Capadócia, atual Turquia, por volta de 375, e morrido no dia 23 de abril de 303, aos 28 anos, na Nicomédia, quando foi decapitado pelo Império Romano por jurar fidelidade a fé de Cristo, iniciando, com esse episódio, sua trajetória mitológica. 

São Jorge não era um andarilho, mas se tornou cidadão do mundo, padroeiro de gentes, cidades e nações. Dos torcedores do Corinthians a soldados, cavaleiros, agricultores e fazendeiros. De cidades como Londres, Moscou, Barcelona, Beirute, Genova e Ferrara a países como Inglaterra, Etiópia, Sérvia, Montenegro, Geórgia e Lituânia. Fraga gastou sola de sapato e memória na câmera fotográfica apenas para dar conta de um pequeno recorte dessa figura mítica. Esteve por Turquia, Israel, Palestina, Inglaterra, Portugal, Nigéria, Gana e Brasil.

 Para contar essa história fotograficamente, montou um projeto e conseguiu patrocínio da Kalunga, mesma marca que estampava as camisas de um certo clube paulista há pouco tempo e que tem como padroeiro o santo... Para contá-la com o preto no branco, convocou o craque Luis Antônio Simas, historiador e escritor de mão-cheia, devoto de São Jorge e de Ogum, que assina os textos do livro, que ainda tem apresentação do fotógrafo Clício Barroso Filho e prefácio de outra fera, Aldir Blanc, autor de diversos clássicos da MPB e que também já compôs pelo menos uma pro santo: “Medalha de São Jorge”. 

Com tantos excelentes contadores de história, faltou incluir as que o próprio Cesar Fraga vivenciou na aventura por Europa, Oriente Médio, África e Brasil, como a do dia em que cruzou a fronteira entre Israel e Palestina, a bordo de um táxi dirigido por um árabe, em meio a um quebra-pau com a polícia israelense jogando bombas de gás lacrimogêneo nos palestinos. A barra pesou, mas nem assim o fotógrafo apelou ao santo. “Por mais incrível que possa parecer, eu fui pedir proteção a ele no dia em que fui a Quintino (na Zona Norte do Rio), quando fui fazer a vigília de São Jorge, no dia da festa, que começa à meia-noite lá no subúrbio. Ali eu fiquei muito preocupado e pedi pro cara proteção”, lembra Fraga. 

Outro momento tenso aconteceu ainda na Palestina. Após cruzar a fronteira tendo que driblar os confrontos com a polícia israelense, dando uma volta enorme para chegar ao vilarejo onde São Jorge e a mãe teriam vivido, e há uma igreja dedicada ao santo. O templo estava fechado, e o zelador deu apenas dez minutos para Cesar fazer as fotos. “Não teve jogo, e saí chateado quando me expulsou, mas senti que ele queria me mostrar alguma coisa do lado de fora: era um grupo de crianças cristãs e muçulmanas andando de braços dados pela rua”, conta o fotógrafo, que, claro, incluiu a foto no livro, que será lançado amanhã, das 13h às 16h, no Espaço Plezi Gourmet, na Fábrica Bhering (Rua Orestes, 28, no Santo Cristo), com direito a uma saborosa feijoada. Do jeito que Ogum gosta.