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Programa Jovem Aprendiz atende apenas 150 dos 2.075 jovens infratores do Degase

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Não é de hoje que os órgãos de defesa dos direitos humanos alertam para a importância de profissionalizar os jovens que cumprem medida socioeducativa, como etapa fundamental da tão falada ressocialização. Apesar disso, mesmo com a criação do Programa Jovem Aprendiz, em 2005, voltado para a inclusão dos jovens no mercado de trabalho, os 2.075 internos do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) estão longe de ser efetivamente incluídos nesse processo. Até o início do ano passado, nenhum deles participava do programa, quando, pela primeira vez, 330 internos tiveram a oportunidade de se profissionalizar. Este ano, 150 novas vagas foram abertas — o equivalente a apenas 7% do número de jovens infratores do Degase. O principal desafio ainda é o de sensibilizar as empresas a participar do programa. Hoje, apenas três participam: Denjud, Masan e Nova Rio. 

As aulas são ministradas de segunda a sexta, com o depósito de R$ 600 mensais em conta, que só pode ser movimentada quando o menor deixar a unidade socioeducativa. Um dos selecionados para aprender uma profissão, J., de 16 anos, cumpre medida socioeducativa há nove meses. Em sua terceira passagem pela internação, diz que vai se esforçar para não cometer novos delitos. 

“Da primeira vez que me pegaram, eu estava na boca de adianto (que não tem armas, funciona apenas como ponto de venda), só vendendo. A cada R$ 800 de drogas que eu pegava para vender, eu tirava R$ 100 para mim, o resto era do dono da boca. Antes de eu começar nisso, eu queria dinheiro e não tinha como arranjar. Então, pedi um amigo para me apresentar o patrão dele. O dono da boca me chamava de filho, e eu tirava um dinheiro certinho. A minha segunda vez (no Degase) também foi por causa de drogas. Na última, eu rodei por causa de um roubo de carro. Se tiver que mudar, eu vou mudar. Há muito tempo, quando eu estava solto, já me ofereceram um curso. Ligaram pra minha mãe, ela me levou em Niterói, eu queria fazer, mas era pago. Aí não teve como. Agora, eu vou fazer aula de lancheiro. Eu tenho um irmão que trabalha nisso. Mas tem uma coisa que eu queria que acabasse: esse negócio de esculacharem a gente, dar tapa na cara. Agora a gente vai ter esse estudo aí...Tem que mudar isso aí”, reivindica o único interno de uma família de quatro irmãos, nascido no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. O lugar é considerado o quartel-general do Comando Vermelho na cidade a Região Metropolitana. 

Outro selecionado para se profissionalizar pelo Jovem Aprendiz, V., de 15 anos, está na sua sétima passagem por roubo. Aos 12, foi internado pela primeira vez, depois de roubar um celular e um cordão na Avenida Rio Branco, no Centro. Segundo conta, o curso de montagem e manutenção de microcomputadores será um desafio. 

“Só uso computador para entrar no Facebook, não sei fazer mais nada. Mas não tô dizendo que eu não vou tentar”, diz. “Nunca roubei para usar droga. Foi sempre para ajudar em casa. Tenho três irmãos, e minha mãe sempre fez bico. Agora, vou ter minha carteira assinada, mas não sei se vou conseguir trabalhar nesse negócio. Mas, se eu conseguir aprender, vai ser bom. Já saindo daqui com a carteira assinada, vão ver que eu posso ser um menor bom”, conta o morador da Favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, criado, com outros três irmãos, apenas pela mãe feirante.

 Coordenadora de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), Maria Carmen de Sá conta que, apesar do baixo número de vagas ofertadas pelo Programa Jovem Aprendiz, até a criação da Comissão Interinstitucional do Estado do Rio de Janeiro para a Aprendizagem, no ano passado, as iniciativas para a profissionalização de jovens infratores eram praticamente inexistentes. 

“Temos um banco de dados com 900 adolescentes aptos a participar. Mas o gargalo está nas empresas. Muitas não cumprem a lei, deixam de aderir ao programa e preferem o pagamento da multa, que é baixa. Muitas empresas têm preconceito em contratar jovens infratores. A dificuldade é sensibilizar o empresariado”, aponta. 

Se para os jovens em liberdade as aulas práticas são ministradas na sede das empresas, para os internos, o ensinamento prático é feito na própria unidade de internação. Além do baixo número de vagas ofertadas pelas empresas, outra dificuldade para a ampliação do Jovem Aprendiz no Degase é  a carência de unidades onde se podem executar as aulas práticas. Atualmente, só duas delas dispõem de laboratórios para isso. Uma na Ilha do Governador e outra em Bangu. 

Outro grande desafio é a evasão dos cursos, que tem duração de dez meses a um ano. Com o passar do tempo, a Justiça vai reavaliando a situação dos internos e concede mudanças no regime. Assim, como muitos deixam de ser internos, abandonam as aulas. No ano passado, dos 330 internos inscritos no programa, só 90 concluíram o curso até o fim. 

“Isso acontece porque muitos moram longe da unidade onde o curso é ministrado ou por questões de segurança. Ano passado, quando o curso foi em Bangu, muitos que tiveram suas medidas revistas e deixavam de ser internos abandonavam o curso. Para se ter uma ideia, Bangu tem a facção Terceiro Comando. Se o adolescente mora em área do Comando Vermelho, corre risco indo até as aulas. Além disso, quem quer voltar numa unidade onde sofreu agressão e foi torturado? São muitos desafios. Mas estamos avançando”, diz Maria Carmen. 

Procurado, o Degase informou que oferece, atualmente, 450 vagas em cursos profissionalizantes (300 a mais que as 150 dedicadas aos jovens aprendizes), em três unidades de internação e internação provisória (Escola João Luiz Alves, Centro de Socioeducação Dom Bosco e Centro de Socioeducação Professor Antônio Carlos Gomes da Costa). Há, ainda, diversas atividades culturais, esportivas e de lazer, como manicure e pedicure, informática, garçom, pintor e pizzaiolo. Tais cursos, segundo explica Maria Carmen, ainda estão longe de garantir a empregabilidade dos jovens infratores por terem duração de apenas dois meses e não oferecerem diploma: “Estamos num processo de superação desse amadorismo que foi a socioeducação ao longo dos anos, no Rio de Janeiro”.