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Legado do PAC-Manguinhos: sonho frustrado da “rambla”, falta de saneamento e prédios deteriorados

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Há 10 anos, em abril de 2008, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal chegava a uma antiga área industrial da Zona Norte. As obras no Complexo de Manguinhos levavam  a mais de 50 mil pessoas a expectativa de redução do déficit habitacional, saneamento básico, geração de emprego e renda e lazer. Na Avenida Leopoldo Bulhões, conhecida como Faixa de Gaza pelos confrontos entre a polícia e o Comando Vermelho, uma megaintervenção dava o tom de como o Estado queria se mostrar presente. Trata-se da elevação da linha férrea ao longo de dois quilômetros. No planejamento do governo do Rio,   sob a ferrovia seria incorporado um grande parque linear com comércio, mobiliário urbano e prestação de serviços, como enumera Jorge Jauregui,  arquiteto idealizador dos trilhos suspensos. Ou seja, um passeio público aos moradores e visitantes, que Jauregui denominou como a Rambla de Manguinhos, numa alusão às Ramblas de Barcelona. A frustração do arquiteto, devido ao contraste entre seu projeto e a realidade, é evidente.  

Debaixo daquele trecho da estrada de ferro, que de fato foi erguido, o aspecto é de desolação.  Moradias à base de madeira, lata e papelão, a  expor que o problema habitacional em Manguinhos não foi equacionado, ficam à sombra daquela elevação. Ao passeio público, falta... público. Quiosques, os poucos ali, ficam fechados. Centros de renda não existem. “Queria registrar meu profundo descontentamento com o estado físico e social do lugar. No Rio, há uma tradição de fazer e abandonar. O Rio-Cidade e o Favela-Bairro (obras em vias de bairros e reurbanização de favelas, respectivamente nos anos 1990) são exemplo disso. O PAC de Manguinhos é igual: incompleto e abandonado”, disse Jauregui, acentuando que  o sentido de elevação da linha férrea foi o de integrar o conjunto de favelas segregado pela antiga linha férrea e diminuir os atropelamentos na via. A linha férrea também conduz a discussão sobre a política pública em si, no PAC-Manguinhos. Para Cláudia Trindade, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz, com sede em Manguinhos), o governo estadual fez uma escuta frágil das necessidades dos residentes de Manguinhos. “Os moradores disseram, reiteradamente, que a prioridade não era a elevação da linha férrea, mas, sim, os investimentos em habitação, saúde, educação e saneamento”, disse Cláudia, que fez doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF) sobre o PAC de Manguinhos. 

Alexandre Pessoa, mestre em engenharia ambiental, aponta um grave problema em relação ao esgotamento sanitário no PAC. “Fizeram a rede coletora das casas, mas não ligaram ao tronco coletor principal, que levaria o esgoto à Estação de Tratamento de Alegria, no Caju”, disse Pessoa. Resultado: coliformes fecais no Canal do Cunha e nos Rios Faria Timbó e Jacaré.  A  Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) informou, por sua assessoria de imprensa, que a complementação dos troncos coletores depende de recursos do Ministério das Cidades e de licitação a ser feita pela Secretaria Estadual de Obras (Seobras). Nos cursos d’água assoreados pela falta de saneamento e de dragagem, flagra-se a ausência de moradia digna. No Rio Jacaré, barracos de madeira ficam quase sobre a margem. A Seobras, segundo sua assessoria, anunciou  recursos federais para 750 unidades habitacionais em Manguinhos. 

Equipamentos, como a Casa da Mulher e a Escola Luiz Carlos da Vila, estão deteriorados.“Tudo que a juventude de Manguinhos precisa é uma unidade de ensino estruturada. O projeto da escola ficou lindo, um sonho, e agora está largado”, disse Patrícia Evangelista, mãe de uma aluna do ensino médio, apontando a piscina semiolímpica e a quadra sem uso. A assessoria da Secretaria estadual de Educação diz que analisa “parcerias para  recuperar os equipamentos”. 

A edificação da Casa da Mulher, onde as mulheres iam buscar assistência, também está  danificada. A assessoria da Secretaria de Estado de Direitos Humanos para Mulheres avisou que o serviço está em outro prédio. A moradora Darcília Alves pontua. “Esse prédio da Casa da Mulher tão destruído é um símbolo de que esse serviço tão importante caiu muito por aqui”.  A Seobras, também por sua assessoria, disse que não sabe qual  secretaria administra o PAC-Manguinhos como um todo.