ASSINE
search button

Cosme Velho e Laranjeiras sofrem com criminalidade, sem solução à vista

Compartilhar

Os bairros vizinhos do Cosme Velho e de Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro, têm vivido cenas chocantes de violência. Na última segunda-feira, um bebê de seis meses foi atingido, por volta de 19h, no interior do Colégio São Vicente de Paulo, localizado praticamente na divisa entre os dois bairros. O bebê passou por uma cirurgia, ontem, para retirar a bala alojada no ombro, e passa bem. A mãe da criança estava com ela no colo, assistindo a uma atividade do outro filho, em uma das quadras esportivas da instituição de ensino. A reportagem do JORNAL DO BRASIL procurou a Polícia Cívil, para saber como anda a investigação sobre o disparo. A resposta, por intermédio da assessoria de imprensa, foi curta: “Investigação segue em andamento”.

A direção do colégio se manifestou, afirmando que todos estão “imersos numa sociedade que tem vivido em meio a polarizações e violência generaliza”. O texto segue detalhando melhor a investigação. “As observações preliminares feitas pelos agentes policiais apontam para uma situação, infelizmente, comum em nossa sociedade, de bala perdida, oriunda não se sabe de onde, na medida em que não há registro de qualquer ação envolvendo troca de tiros em torno do colégio”. 

Para os moradores da região, a sensação de insegurança é palpável à medida que casos de violência se acumulam. Em Laranjeiras, a esquina das ruas General Glicério e Laranjeiras foram palco de duas explosões ocorridas na agência do Banco Bradesco. A primeira ocorreu no dia 6 de maio, horas depois de moradores lotarem a Praça do Choro, localizada a cerca de 200 metros da agência. No encontro de uma ação coletiva denominada “Laranjeiras Solidária”, o procurador do estado Augusto Werneck disse que seis policiais e três viaturas resolveriam os problemas de criminalidade do bairro. “As ruas que surgem a partir da General Glicério, a própria Ruas das Laranjeiras e o Cosme Velho devem ter policias circulando por elas. Isso diminuiria em muito os assaltos, as abordagens dos bandidos”, disse o procurador. A segunda explosão aconteceu no dia 14 de maio. “Isso é intimidatório, é uma medida de terror. Talvez uma afronta à própria intervenção”, disse Werneck, referindo-se à Intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro. Segundo a assessoria do 2°BPM (Botafogo), o efetivo da unidade trabalha nas ruas em ações preventivas e repressivas, numa espécie de “patrulhamento dinâmico”, atendendo ocorrências a partir do número de telefone 190 e onde a “mancha criminal” é mais acentuada, diz a assessoria. 

Werneck ressalta que, em dezembro do ano passado, uma empresa de segurança quis instalar cancelas nos dois acessos ao lado da Praça do Choro. Isso porque alguns síndicos daquele canto de Laranjeiras vinham se reunindo há mais de um ano para debater a insegurança do lugar. Assim, esse grupo de síndicos deliberou que a empresa de segurança fizesse uma espécie de teste de seu trabalho, a fim de convencer a população sobre a importância de segurança privada. Houve protestos veementes, inclusive de Werneck, que enviou  um ofício à Secretaria Estadual de Direitos Humanos, pedindo a retirada das cancelas. Não foi necessário. A empresa foi embora logo após os protestos, em que moradores relacionavam segurança privada a milícia. O historiador e arquiteto Nireu Cavalcanti recorda que há alguns anos outra empresa de segurança ofereceu seus serviços, mas foi recusada pelos moradores, em cena semelhante. “Esse campo de ofertas de segurança pública leva a se pensar que a milícia pode estar atuando  no bairro para aumentar a violência”, diz o historiador, ressaltando que vê isso como uma possibilidade, não como uma certeza. 

O desembargador José Nascimento de Araújo diz que o absurdo episódio do tiro no bebê talvez não seja relacionado a ações de criminosos que visam aterrorizar moradores ou a fazer algum tipo de protesto. Mas o desembargador diz que as explosões no banco despertam uma grande apreensão. “Embora eu não tenha qualquer dado objetivo,  causa estranheza o fato de a primeira explosão ter ocorrido horas depois do coletivo ‘Laranjeiras Solidária’ ter se reunido na Praça do Choro”, afirma.  

Segundo o desembargador, o encontro reuniu cerca de 200 participantes. “Pessoas desse coletivo foram responsáveis por protestos veementes contra a empresa de segurança privada, convocada por alguns síndicos locais.  Daí o porquê da minha estranheza”, acentuou o desembargador. 

O arquiteto Nireu Cavalcanti lembra dos bairros de Laranjeiras e do Cosme Velho de um tempo em que abrigavam famílias de diferentes classes sociais. Já no início do século 20, famílias de chácaras moravam perto de famílias de operários da Fábrica Aliança, que residiam em casas mais simples ou em vilas em ruas como Estelita Lins e Cardoso Júnior. “A Cardoso Júnior, por exemplo, foi ocupada, além de operários, por pequenos comerciantes”.  

Outras ruas, acrescentou Nireu, reuniram uma classe média mais modesta, que se acomodou em vias como a Leite Leal e a Sebastião Lacerda.  “Era um lugar muito tranquilo, onde já havia as favelas da Rua Pereira da Silva, em Laranjeiras, e dos Guararapes, no Cosme Velho”. Essa paz deu lugar a uma agitação grande quando cortou-se parte do morro da Rua Pinheiro Machado para dar passagem ao Túnel Santa Bárbara, nos anos 1960. 

Para Nireu, essa perspectiva de um espaço construído com diversidade social deixou de existir com a abertura, no Cosme Velho, para a entrada no segundo corredor sentido Zona Sul do Túnel Rebouças, cujas obras começaram no governo Lacerda.  “Os bairros de Laranjeiras e do Cosme Velho viraram bairros de passagem. E novas rotas de fuga surgiram, facilitando o trabalho de criminosos”, disse Nireu Cavalcanti, que conclui: “A partir dos anos 1980,o tráfico de drogas começa a assumir as favelas locais. E termina a ilusão de diferentes classes sociais em harmonia num belo lugar”.