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O Cavalo de Tróia de Cunha

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Na Ilíada de Homero, um enorme cavalo de madeira foi dado de presente pelos gregos aos troianos, num bem engendrado estratagema. De dentro do “presente” saem guerreiros gregos que atacam Tróia, impondo uma derrota sem precedentes. Em nossa política, cavalos de Tróia são revisitados com mais frequência do que gostaríamos.

Um exemplo recente é a criação da Comissão da Mulher, na Câmara dos Deputados, a partir de proposta que tramita desde 2007. Em mais uma manobra, sempre banalizada dentro do Parlamento, o ENTÃO presidente da Casa, Eduardo Cunha, tirou do papel a criação do polêmico colegiado com escopo totalmente arbitrário e restritivo. A ação, certamente não foi pensada em prol dos direitos das mulheres, mas na sua busca por mais poder dentro da Câmara.

A Comissão da Mulher é um enorme cavalo de Tróia para as discussões de gênero. Em comum acordo com bancadas mais conservadoras, liderado pelo relator da proposta, deputado João Campos (PRB/GO), Cunha tenta acabar com direitos garantidos historicamente.

A princípio, uma Comissão específica defendida por nós poderia reforçar a pauta de gênero ao conferir maior visibilidade, ela transformará um tema transversal, que atravessa pautas de todas as Comissões permanentes, em fórum de fiscalização, monitoramento e incentivo. Tais competências estavam sob responsabilidade da Secretaria da Mulher e da Procuradoria da Mulher, que certamente serão esvaziadas.

Uma meia Comissão que não tem no seu escopo políticas de gênero e que não legislará sobre temas da mulher, tendo apenas como matéria a ser deliberada as questões relativas à igualdade racial das mulheres. A violência sexual foi deliberadamente esquecida, uma verdadeira violência política contra as mulheres.

Este não foi, no entanto, o único retrocesso. A composição conservadora da Câmara dos conseguiu maioria, apesar da atuação corajosa de parte das deputadas federais, para incluir entre as competências da Comissão de Seguridade Social e Família a análise de matérias relativas ao nascituro, figura jurídica inexistente no direito brasileiro. Um tiro certeiro em qualquer debate mais amplo sobre direitos sexuais e reprodutivos.

Ao que parece, a maioria retrógrada da Câmara jamais se permitiu ouvir as vozes roucas das ruas, principalmente quando manifestações de mulheres clamaram pela manutenção de seus direitos. A chamada Primavera das Mulheres foi covardemente esquecida, o que mostra a desqualificação de boa parte da nossa legislatura e o que está por vir numa coalizão de forças conservadoras para sustentação de um possível Governo Temer, o impostor.

As mulheres brasileiras não querem e não merecem que seus direitos sejam circunscritos ou cerceados. Nossas pautas vão da saúde ao combate ao tráfico de mulheres. Da segurança pública ao acesso ao mercado de trabalho. Da educação inclusiva à prevenção da violência contra a mulher. Chegou novamente a hora de reflorescer nas ruas os nossos gritos por mais direitos e contra o atraso. E antes que eu me esqueça: #TchauQuerido.

* Médica, deputada federal (RJ) e vice-líder do Governo