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O juízo das delações

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O Tribunal era formado por três juízes e as decisões eram tomadas por maioria. Possuía um corpo burocrático e judicial formado de notários, oficiais de diligências, promotores, advogados, procuradores, guardas, alcaides, meirinhos, médicos, barbeiros e capelães. Mas as bases de todas as denúncias eram provenientes dos “familiares”, que gozavam da garantia de serem “limpos de sangue” e de posição social privilegiada, eram isentos do pagamento de impostos e da obrigação de exercer cargos de menor importância social e portavam armas. A partir desse corpo de “familiares” formou-se uma teia de delações que impulsionavam o Tribunal.

Alguns leitores apreensivos devem estar pensando que estou me referindo aos tribunais que estão apreciando esses atos de corrupção direcionados a punir alguns segmentos políticos. Pode até ser semelhante, mas estou descrevendo os Tribunais da Inquisição criados para perseguir o povo judeu na idade medieval. Quando as denunciais podiam ser anônimas, secretas, produtos de vazamentos intencionais, sem qualquer comprovação ou vinda de toda qualidade de pessoas. As denúncias poderiam vir a ser ou não comprovadas, mas a priori, o suspeito já era considerado culpado e, a partir das denúncias haviam as conduções coercitivas e as prisões. Depois se adequavam os fatos às imputações e advinham as condenações, muitas delas à fogueira.

Resolvi transcrever nessas linhas relatos do livro Os judeus que construíram o Brasil de Anita Novinsky, Editora Planeta do Brasil, 2105, porque esses fatos estão muito presentes na atual crise pela qual a sociedade brasileira está passando. Não foi diferente quando nos anos 40 alguns segmentos da mídia norte americana e, sobretudo sob o comando do senador Joseph McCarthy, resolveu-se eleger os comunistas como os inimigos da sociedade e dentre outros perseguidos acusaram e prenderam, destruindo sua brilhante carreira de escritor e roteirista de filmes, ganhador de vários Óscares chamado James Dalton Trumbo.

Uma ocasião, ao sair de um compromisso social foi abordado por um jornalista de forma agressiva que o acusou de comunista e traidor da pátria, além de chama-lo de merda e lhe atirar um copo de bebida no rosto. Fatos que estamos repetidamente assistindo em nosso dia a dia. Essas temporadas de totalitarismos sucedem-se com nomes diferentes, ora são os inquisidores, os macacartistas, ora os fascistas, todos da mesma matriz autoritária que pensa que não precisam respeitas os diferentes e perseguem os judeus, os marxistas, os negros, os pobres, as mulheres, os gays ou qualquer outro que não seja o seu espelho.

Felizmente a história faz justiça a esses heróis, transformados em bandidos pela intolerância.  Espera-se que, assim como Mandela, Tiradentes, Zumbi, Malcon X, Dr. Martin Luther King, Trumbo e tantos outros importantes homens na resistência aos opressores e prepotentes tiveram o reconhecimento de seus atos heroicos, não tenhamos que criar novas vítimas das correntes antidemocráticas para posteriormente reconhecer as suas inocências tardiamente.

desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a democracia.