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Auto da fé

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Os moradores do Rio de Janeiro que nunca assistiram um Auto de Fé terão oportunidade de ver em pleno Século XXI essa pratica medieval quando a Inquisição marcava a leitura em praça pública a leitura das sentenças dos réus que após terem sido delatados não admitiam seus erros para que os processos fossem arquivados. Trata-se de um julgamento de quatro magistrados que ousaram fazer uso da liberdade que qualquer indivíduo tem assegurado constitucionalmente de manifestar opiniões, ideias e pensamentos. Embora se trate de um direito humano reconhecido internacionalmente e consagrado na Carta do Brasil de 1988,sobretudo sobre temas políticos e questões públicas, ainda há magistrados tendo sua independência tolhida por ferramentas medievais como esse procedimento.

Ao tentar criminalizar o direito à liberdade de expressão e penalizar juízes por haver em manifestado seu pensamento, o judiciário está explicitando sua vocação antidemocrática. Já testemunhamos magistrados sendo processados em razão de suas decisões judiciais que não se coadunam como “catecismo” excludente e punitivo. Uma desembargadora está sendo processada por haver dado liberdade para um preso que já havia cumprido pena. Juízes foram processados por ostentarem em seus gabinetes obras de arte sem o “Nihil obstat”da Superior Administração. Agora tentam através de processos coercitivos vestirem determinados magistrados com o sambenito que os marcará para sempre com a condenação pela heresia de haver se manifestado.

A simples instauração desse procedimento, que certamente não levará esse vergonhoso desiderato, já representa que o judiciário, o poder da república mais monárquico e retrógrado, precisa se livrar do “ranço autoritário” que fez legitimar diversos atos de arbítrio durante o período da ditadura e através desse “controle ideológico”, que resulta em perseguição a alguns juízes,desejam manter tais métodos medievais como sinal de um poder inexpugnável e sem amarras na Constituição e nas leis que juramos cumprir e fazer cumprir. Não é aceitável que ainda haja esse controle ideológico e que, em pleno estado democrático de direito ainda existam juízes com sua independência funcional tolhida por amarras administrativas.

Nossa esperança é que esse espetáculo de jogar juízes aos leões em pleno século XXI esteja no final e que a sociedade não acolha nem apoie atos capazes de transformar juízes em agentes de um autoritarismo sem limites. Aproveitem os fatos como esse para democratizar o judiciário propiciando que todos os juízes de todas as instâncias votem e escolham seus administradores, participem democraticamente do processo administrativo compondo as diversas comissões administrativas e que esse vendo de democracia ponha um fim a esse macarthismo ideológico.

* desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a Democracia.