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Pioneiro na defesa do feminismo

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Quem poderá, à priori, afirmar que a mulher nesse contacto com o homem, farfalhando com as saias nos colégios eleitoraes, cobrindo-se com as plumas e aigrettes dos chapéos nas altas regiões da soberania, decotada ou não, perfumada, com as suas mãosinhas delicadas extensas meias a esconderem a musculatura das pernas, batendo vezes muitas com o tacão a Luiz XV, não concorrerá a melhores dias, na direcção das contas publicas, asseverando o progresso, o evoluir dos povos, especialmente em paizes onde a machina administrativa não caminha com regularidade e emperra, dando o machinista, por qualquer circunstancia e quasi sempre para traz e precitando o aparelho ao abysmo.” (JB 12.06.1921) O ano 1921. 

O JORNAL DO BRASIL, demonstrando seu comprometimento com o movimento feminista que se espalhava pelo mundo no século XX, publica na edição dominical do JB, o Pioneiro na desfesa do feminismo artigo de Otto Prazeres, intitulado “A soberania ... decotada”, repetindo trecho do voto do senador amazonense Lopes Gonçalves, que, numa ironia terrivelmente francesa, não deixa claro se tem a intenção de chamar as cabeças das mulheres de regiões de soberania ou se há uma crítica às mulheres, mostrando que, sem plumas, sem aigrettes e sem saias farfalhantes elas não devem comparecer nas altas regiões da soberania nacional. 

Neste cenário, as ativistas inglesas, pejorativamente chamadas de suffragettes, dentre as quais se destaca Emily Davison, obtiveram o direito de votar em 1918 (JB 01.10.1916). As feministas brasileiras não estavam alheias ao movimento mundial. A baiana Leolinda Daltro fundou em 23.12.1910 o Partido Republicano Feminino (JB 23.09.1911). A bióloga Bertha Lutz, presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, viajava fazendo discursos, distribuindo panfletos e dando entrevistas (JB 28.07.1925). Em fevereiro de 1932 o direito ao voto feminino é consagrado no Código Eleitoral. Foi longo o caminho, mas as sufragistas brasileiras, como destacado por mais uma instigante matéria publicada pelo JB, conseguiram manter une coiffeuse na Câmara aguardando a lei que deu às mulheres o direito de votar e onde, por uma ironia do destino, foi aumentado o imposto sobre o pó de arroz (JB 03.02.1920). 

A análise do articulista abordando o farfalhar das saias, as plumas e as aigrettes, assim como a sensível matéria que destaca a emblemática coiffeuse, escritas há quase um século, deixam claro que o JB nunca teve um papel de mero observador da sociedade brasileira, mas sim uma tribuna livre em defesa de causas como a igualdade de direitos entre homens e mulheres. E, por isso, a felicidade ao ver o retorno às bancas do nosso Jornal do Brasil, certa de que seu papel de protagonista em defesa da liberdade continuará a ser escrito. 

*Desembargadora TJ-RJ (aposentada), Presidente TRE-RJ (2011)