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Conversando com José Schiller

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Com a proximidade da realização da XXII Bienal de Música Brasileira Contemporânea, no Rio de Janeiro, conversamos hoje com José Schiller, o atual Coordenador da Música de Concerto da CEMUS / Funarte / MinC.

Como sempre são três perguntas que possibilitam conhecer melhor os pensamentos e atividades de nossos convidados. 

A Bienal de Música Brasileira Contemporânea foi sem dúvida uma grande criação para os compositores brasileiros se tornando, portanto, um evento definitivo no calendário cultural do país. O que falta para ela se tornar tão importante quanto a Bienal de São Paulo, por exemplo? 

Desde sua criação, a Bienal teve adaptações em sua organização buscando ampliar sua abrangência e se tornar atraente para os compositores, os intérpretes e mobilizar o meio musical. Começou na Sala Cecilia Meireles como uma mostra da produção, do que os compositores tinham feito no período. Depois, com a participação da Funarte, instituiu-se um premio para jovens compositores, até chegar ao formato atual com a seleção de obras encomendadas a compositores escolhidos por um colégio e outras premiadas por edital público.

Cada uma destes critérios cumpriu e cumpre um papel relevante para o estímulo e a divulgação dos rumos da música brasileira de concerto atual. Possivelmente, cada um é também uma janela para rever criticamente a Bienal, buscar caminhos de desdobramentos que a mantenham sempre atual e viva, criar abordagens e formatos que renovem e estimulem compositores, intérpretes e público a uma interação e ofereçam a produção musical de nossos compositores como uma leitura e expressão da cultura brasileira, das questões e sonhos de nossa época, do imaginário que nos identifica.

Alternadamente, houve anos com debates, exibição de vídeos, atividades em torno e sobre as questões musicais, etc.

A música se concretiza na execução, na apresentação pública, e um dos desafios é conquistar e ampliar este público a cada nova edição da Bienal. O acervo de partituras escritas especialmente amplia o repertório disponível para todas as formações, de solistas a orquestras, conjuntos vocais e de câmara, música mista e eletroacústica. Enfim, um catálogo impresso acessível para quem se interessar em estudar, tocar, incorporar repertório. Isto possibilita uma presença de obras e compositores na temporada musical, além da Bienal, retira esta produção do nicho, do evento isolado que acontece "somente" de dois em dois anos. Este ano, por exemplo, já fomos consultados se uma obra pode ser apresentada em outro espaço uma semana ou pouco tempo depois de sua estreia aqui. Ter a Bienal como referência e estímulo para as temporadas de concerto nas diversas cidades, teatros, é um sinal de sua efetividade, no mínimo, para o meio musical. Sinal de que é um parametro que legitima uma obra, reforça a credibilidade artística de um compositor além da própria Bienal.

Acreditamos que a Bienal chegou a um ponto que sua continuidade com este sentido de ampliação e importância indica cada vez mais a parceria e comprometimento de instituições que possam trazer aportes além dos limites da administração pública direta, como é o caso da Funarte. Entre os parceiros, a Academia Brasileira de Música tem tido um papel fundamental na gestão, produção, e deve ter uma participação mais direta também na organização das futuras edições. Pode ser uma proponente, buscar recursos financeiros através de mecanismos que estão vedados à Funarte. A composição e representatividade que tem traz credibilidade e conta com o apoio dos compositores e do que há de mais significativo no meio musical. Parcerias como essa são estratégias para superar limites que sempre existirão na administração pública, mas especialmente formas de mobilizar setores mais amplos da sociedade, da cultura, e com eles ter uma dimensão e presença cada vez mais expressiva. 

É de extrema importância a continuidade das encomendas a compositores consagrados, para garantir, assim a multiplicação de obras importantes na criação musical brasileira. Esse continuará a ser o pensamento do setor que você  dirige atualmente?

Sem dúvida o estímulo a novas obras, a mobilização de compositores expressivos para a criação de obras inéditas, tem sido uma das contribuições mais ricas da Bienal, como você destacou na pergunta. Acredito que deve ser um critério preservado em futuras edições. Vivemos um momento, como todo o país, de limitação orçamentária, um desafio para superar de maneira criativa esta conjuntura. O meio cultural tradicionalmente sofre nestes períodos. Apesar das circunstâncias de momento, pudemos contar com o apoio e vontade de levar o projeto adiante de todo o meio, compositores, intérpretes, instituições parceiras, como a Academia Brasileira de Música, a UFRJ, a UFF, o Theatro Municipal, a Sala Cecilia Meireles. Sem eles, não teria sido possível esta Bienal que, possivelmente como outras, tiveram seus desafios.

O formato atual, que mobiliza os anos intercalados com a escolha de compositores para atender e criar obras por encomenda, e com o edital de premiação para outras obras inéditas que serão apresentadas na Bienal seguinte, tem o mérito de manter uma mobilização constante, maior do que um evento isolado em si mesmo a cada dois anos.

Comissionar compositores de maior expressão para novas obras enriquece o acervo para além do evento específico, são obras significativas que ficam disponíveis para orquestras e formações diversas em suas temporadas. Podem também ser adotadas na academia, fontes de estudo, pesquisa, estudo e repertório.

Vejo como um critério a ser mantido e colocado na mesa para o planejamento da próxima edição, envolvendo a parceria que estamos buscando viabilizar com a Academia Brasileira de Música.

É de notar o estímulo aos compositores jovens que têm na Bienal a possibilidade de serem conhecidos e apresentarem suas novas obras. Essa linha de ação terá continuidade na sua gestão?

Este estímulo também foi uma conquista ao longo das várias edições da Bienal. Também vejo como uma estratégia de estímulo e renovação, de interação de novos compositores com os mais consagrados e o panorama musical. Outra experiencia e formato importante que já foi adotado é o da Bienal refletir o que aconteceu de mais significativo nos últimos dois anos (para cada edição). Tal compositor teve uma obra estreada pela orquestra "x", uma peça de câmara com excelente repercussão, participou de um festival ou evento relevante, etc. São questões que acredito terem sido sempre consideradas em cada novo planejamento e permanecerão abertas para as futuras Bienais. Cada abordagem destas tem seu mérito e nenhuma é excludente de outra. O importante será criar recursos que viabilizem, mantenham e ampliem a expressão artística da Bienal, e manter a abertura que a tem caracterizado desde sua primeira realização.