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Cidade abandonada

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Quando me mudei para São Paulo, em 1983, os motivos pessoais eram sufi cientes e positivos. O musical “Band-Age” que escrevi com Zé Rodrix ia estrear por lá em grande produção. Fomos os dois e as famílias. Foi ótimo, mas no fundo, ia com tristeza por deixar pra trás um Rio de Janeiro abandonado, sem brilho, desacreditado. O prefeito, se não me engano, era o Roberto Saturnino e, por motivos que não lembro, seu governo não foi nada bom. O mato crescia na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas. Isso me espantou. Imaginem hoje, que moro no Rio, como me sinto vendo a nossa cidade do jeito que está. Em 1983, o Brasil inteiro tentava se reconstruir do período da ditadura recém-terminado. Hoje, o Brasil vive uma crise institucional única e nós, aqui no Rio, um estado de calamidade. Um prefeito que não cuida da cidade, só de seus interesses pessoais e um governador que tenta se cobrir literalmente com um cobertor de pobre. Vamos mal e a cidade do Rio de Janeiro deixa isso transparecer. 

Uma ida ao Centro da cidade, como fi z ontem, revela o estado de degradação do que já foi um dia a Cidade Maravilhosa. O desemprego crescente no país, a falta de fi scalização, de ordenamento público e a urgência para se sobreviver fazem da cidade um enorme mercado a céu aberto, sem garantias e sem controle. Andar pela reformada Avenida Rio Branco é uma aventura. Você tem que desviar dos inúmeros camelôs que vendem a mesma mercadoria do camelô vizinho, ao mesmo preço. Não há público consumidor para tanta oferta. É o desespero ou a esperança a esmo. Tem barraquinha armada, mercadoria no chão e gente aos berros.

As ruas, apesar do esforço da Comlurb, que parece ser uma das poucas empresas públicas trabalhando, pelo menos na Zona Sul, estão sujas e mal cuidadas. As calçadas, um risco à integridade física. O asfalto das ruas não existe. Tente escrever uma mensagem no celular dentro de um carro (não dirigindo, é claro). É impossível. Não há corretor de texto que aguente tanta trepidação. Entre num ônibus do Metrô na Superfície. Se você for gordo, não passa pela catraca estreita e segregadora. Somos gados indo pro abatedouro. Pela janela, vemos os desabrigados, cada vez em maior número, sob as marquises, pelo menos até que os condomínios não construam grades em torno do nada para impedir esse abrigo. A cidade está cada vez mais desumana. 

O famoso espírito carioca virou um fantasma vagando pelas ruas mal iluminadas. O mobiliário urbano destruído, teatros fechados, escolas sem aula. Ôpa! Aí chegamos num ponto importante. Lá, em 1983, pelo menos isso, Brizola no governo junto com Darcy Ribeiro tentava direcionar sua administração para a construção de escolas públicas. Claro, sem escolas não se aprende, não se educa, nada se transforma. Com o tempo, essa ideia foi sendo esquecida. Isso hoje é, literalmente, uma coisa do passado. Escolas, pra quê escolas? Nos resta a população do Rio, heroica e sofrida que, mesmo com todo o abandono, consegue sobreviver e manter um mínimo de ordenamento público, quase que instintivo, mas um bom instinto que nos mantém vivos.