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Xanadu

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Bucólico, o Parque Lage se agita. Sai e entra diretor, ainda que seja o mesmo. Recebe, em agosto, a mostra “Queer Museu”, aquela que o amigo da Marcia quis afogar e que se tornou o maior financiamento coletivo do país, dando prova de que o Bispo, mesmo sem passar a sacolinha, é grande captador das causas adversas. De minha parte, por puro desagravo, pus tostão, a louvar pecado.

Bem antes, porém, o magnata Henrique Lage erguia o Xanadu tupiniquim para a diva italiana Gabriella Besanzonni, com quem se casou em 1925. Não poderiam prever que sua mansão fosse, um dia, cenário para “Terra em Transe” ou o banquete de “Macunaíma”. 

Mas quem projetou o famoso palacete?

Para embasar trabalho de restauração do Ed. Seabra, aquele na esquina da Ferreira Viana com Praia do Flamengo, pesquisando seu histórico, deparei-me com a informação de que seu criador era também responsável pelo Palacete dos Lage: Mario Vodret. 

Frente à ignorância, apelei para a incrível e ainda pouco reconhecida Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional: tudo o que houver sido publicado ser-lhe-á oferecido. 

Assim, “O Jornal”, em março de 1926 noticiava que chegara ao Rio, no Duca d’Aosta, “um dos arquitetos mais conhecidos e de maior renome da Itália”, que “procurará estudar as condições das nossas urbs”. Dava, ainda, conta de que também aportara o prefeito de uma cidade italiana, de pouca expressão, mas o suficiente para que fossem sauda-lo a bordo, membros da colônia italiana e do facio... 

O Rio vivia mais um período de urbanismo exacerbado, dada a robustez de sua capitalidade: Morro do Castelo arrasado e Exposição de 22 acontecida, discutia-se o que fazer da enorme esplanada. A cidade atraía nomes como Alfred Agache, Blaise Cendrars, Le Corbusier e Josephine Baker, que por sinal, os dois últimos, chegaram no mesmo navio... mas, a vinda de Vodret há de ter recebido alguma influência da Besanzonni, já que este JORNAL DO BRASIL, três meses depois, publicava extensa lista de profissionais que se legalizavam junto à prefeitura, em que ele figurava na condição de architecto diplomado.

Recém-chegado, Vodret se esforça por acontecer: durante uma récita da cantora, nos salões do Clube Fluminense, oferece de graça projeto para a Casa do Estudante, ou compra ingresso, no Balcão, para a mesma temporada lírica, em que Henrique Lages, Rocha Miranda e Carlos Guinle adquiriam camarotes. 

Torna-se, enfim, requisitado pela comunidade italiana. Afora os Lage, projeta a Casa Degli Italiani e o edifício da Praia do Flamengo, que, embora do português Seabra, porém casado com a italiana Assunta Grimaldi, o leva a adotar um estilo eclético tardio e insólito, considerando-se tratar-se de um arranha-céu.

Curiosamente, não sendo judeu, Vodret ganha concurso para o Grande Templo Israelita, construído em 1931, e que ainda pode ser visto na Rua Tenente Possolo. 

Dedicando-se ao comércio de mármores, sai um tempo do noticiário, mas em 1942, a História lhe apronta uma: na mesma página de jornal em que surge subscrição organizada pela Sra. Oswaldo Aranha, onde constam os nomes de Mario Vodret e Sra, apoiando as famílias dos marítimos vitimados pelos “atentados do Eixo”, é anunciado o Estado de Beligerância contra a Itália. 

Seu falecimento ocorre em Roma, em 1948, e os jornais daqui trazem anúncios fúnebres de dimensões robustas. 

Um ano após a sua morte é publicado processo que corria na Vara de Órfãos e Sucessões, trazendo um único despacho: 

“Ao Contador”

Tudo nos jornais. E a internet é que extinguiu a privacidade... 

* Arquiteto urbanista DSc