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Bolsonaro quer fazer do Brasil um pária

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Publicado em 24/07/2022 às 08:51

Alterado em 24/07/2022 às 08:51

Bolsonaro Reuters/Ueslei Marcelino

Quando o tresloucado ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fez seu famoso discurso para diplomados do Instituto Rio Branco, a escola de formação dos diplomatas do Itamaraty, no final de 2020, defendendo que o Brasil assumisse o papel de pária no mundo, se fosse para lutar sozinho pela defesa da liberdade, muita gente achou que a maluquice tinha nascido apenas da cabeça do ex-chanceler, um discípulo do guru terraplanista Olavo de Carvalho, morto em janeiro deste ano. Araújo deixou o ministério em março de 2021, após desastrosa apresentação no Senado, quando a Comissão de Relações Exteriores pediu sua demissão por expor o Brasil a vexames internacionais. Araújo foi embora. Assumiu em seu lugar o apático, mas correto, diplomata Carlos França, que fez mais carreira como chefe do Cerimonial da Presidência da República (1997-99; 2011-15 e 1019-2021) do que em embaixadas pelo mundo afora (serviu em Washington, Assunção e La Paz), sem nunca ter ascendido à função de embaixador, que exige mais competência e responsabilidade nas relações de Estado para Estado.

A casa do Barão do Rio Branco ganhou ares mais livres, quando outro discípulo do guru da Virgínia, o assessor de política internacional do presidente Jair Bolsonaro, Filipe Garcia Martins, embora continue atuante no “Twitter”, reduziu seu poder de influência na política externa brasileira. Numa guinada de 180 graus, Filipe G. Martins, na experiência de seus 34 anos, tentava exercer pela extrema direita a influência que o professor Marco Aurélio Garcia, exercia, pela ponta esquerda, paralela à atuação da diplomacia do Itamaraty nos governos Lula e Dilma. Mas o chanceler - no espírito do “führer”, encarnado por Adolf Hitler de 1934 a 1945 - continuou sendo Jair Messias Bolsonaro. Agora acolitado pelo coronel Mauro Cesar Cid, chefe dos ajudantes de ordens da Presidência da República, que foi um dos incentivadores da vergonhosa reunião do presidente candidato à reeleição com os embaixadores e adidos diplomáticos convocados para ouvir perorações falsas do primeiro mandatário brasileiro contra as urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral, no já anedótico “brienfing” da Presidência da República, na manhã de 2ª feira, 18 de julho, no Palácio da Alvorada, residência oficial do chefe de governo do Brasil.

Bolsonaro deve ter enchido de orgulho, no além, o “guru” Olavo de Carvalho e, no ostracismo, o ex-ministro Ernesto Araújo. Desta vez, os mais influentes países democráticos reagiram em defesa da lisura do processo eleitoral brasileiro e na capacidade das instituições nacionais em preservar uma das democracias mais representativas do mundo. Tudo sob a cobertura crítica da mídia televisiva, impressa e das redes sociais em escala global, e colocaram o Brasil descrito por Jair Bolsonaro como um pária internacional.

As respostas imediatas do Departamento de Estado dos Estados Unidos e do seu embaixador não deixaram dúvidas. O governo do presidente Democrata, Joe Biden, reafirmou a confiança no processo de voto eletrônico no Brasil, que considera um exemplo para o mundo democrático, e mandou um recado direto às Forças Armadas, que seguem pressionando, por incitação do presidente Bolsonaro ao ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, a encontrar pelo em ovo, sempre levantando suspeitas infundadas de fraudes no sistema de voto eletrônico, aplicado, com sucesso, desde 1996. Os Estados Unidos não darão qualquer apoio diplomático a contestações ao resultado do pleito e muito menos irão colaborar com tentativas de golpe militar. O embaixador da Itália foi pela mesma toada, e também fez o mesmo a chancelaria do Reino Unido, que não teve representante convidado para o evento (assim como os governos de esquerda da Argentina, Chile e Cuba - da Venezuela, foi convidado o representante do “governo” do presidente alternativo Juan Gaidó, desprezado por Biden, que faz tratativas junto ao presidente Nicolás Maduro para retomar a produção de petróleo do país com as maiores reservas do mundo, em crise desde o governo do coronel Hugo Chávez).

Um representante não identificado da diplomacia europeia resumiu o entendimento geral dos presentes à pantomima: viram a peroração vazia de Bolsonaro como uma perigosa repetição da tática trumpista de desacreditar o processo eleitoral. É interessante acompanhar isso. A escalada que culminou com a infame invasão do Capitólio (o Congresso dos Estados Unidos), em 6 de janeiro de 2021, quando Trump instigou seus fanáticos apoiados a impedir que o presidente eleito, Joe Biden, e a vice, Kamala Harris, fossem diplomados em cerimônia presidida pelo vice-presidente de Donald Trump, Mike Pence (que exerce a função de presidir as sessões conjuntas da Câmara e do Senado, e era alvo de ameaças de “enforcamento” pelos celerados) está entrando na reta final das investigações por uma comissão mista do Congresso americano, com participação de representantes do partido Republicano de Trump. A culpa do ex-presidente pela conspiração previamente anunciada e cumprida vem sendo provada e engrossada a cada novo depoimento.

Mas os bolsonaristas ainda seguem as orientações do ex-assessor internacional de Trump, o farsante Steve Bannon, que acabou desacatando a convocação para depor do Congresso e pode ser condenado a um ano de prisão, aumentando seu rosário de condenações por fraudes financeiras. Um dos articuladores do movimento de ultra direita QAnon, uma visão articulada e urbana da Klu-klux-klan, Bannon seduziu com suas ideias extremistas o filho 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que fomenta o exército de CACs - inspirados nos portadores de rifles e armas de fogo filiados a NFR. Melhor seria se em vez das palavras de desordem de Bannon, os bolsonaristas lessem e relessem as advertências do ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil (2010-2013) Thomas Shannon, que já foi vice-secretário de Estado para o Hemisfério Ocidental (Europa, África e Américas) em governos democratas. Em entrevista à “Folha de S. Paulo” de sábado, ele deduz que Bolsonaro estudou os passos de Trump e está seguindo as suas pegadas. Mas o governo Democrata de Joe Biden não está gostando nada disso, alertou.

Brasil, país do passado

A partir de 1º de agosto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística começa colocar na rua o batalhão de recenseadores para colher a radiografia mais atualizada do Brasil no Censo Demográfico. Adiado de 2020 e 2021, por causa da pandemia, o IBGE seguia fazendo estimativas de sexo e classes de idade para o país baseadas nas Projeções Populacionais anteriores à pandemia as Covid-19. O Censo-2022 vai permitir verificar com precisão a queda no número de nascimentos e o aumento dos óbitos. Sem diagnósticos precisos, não se pode calibrar corretamente as políticas públicas, o que significa demora na correção de problemas onde há carências e onde gasta-se sem precisar.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Características Gerais dos Moradores, divulgada 6ª feira pelo IBGE, já indicou que a população do Brasil, com o maior crescimento populacional nesses segmentos, aumentou a participação de pretos (de 7,4%, em 2012, para 9,1%, em 2021) e pardos (de 45,6% para 37% no mesmo período), ampliando de 53% para 56,1% a participação dos afrodescendentes da população total, e a está mais velha. De 2012 a 2021, o número de pessoas com menos de 30 anos de idade no país caiu 5,4%, enquanto houve aumento em todos os grupos acima dessa faixa etária no período. Assim, as pessoas de 30 anos ou mais também, coincidentemente, passaram a representar 56,1% da população total em 2021. Esse percentual era de 50,1% em 2012, início da série histórica da pesquisa.

A população total do país foi estimada em 212,7 milhões em 2021 (no dia 23 éramos 214.885 mil, pelas projeções do IBGE, que aponta o aumento da população a cada 21 segundos - antes da Covid-19 o tempo era de 19 a 20 segundos), o que representa um aumento de 7,6% ante 2012. Nesse período, a parcela das pessoas com 60 anos ou mais saltou de 11,3% para 14,7% da população. Ou seja, esse grupo etário passou de 22,3 milhões para 31,2 milhões, crescendo 39,8% no período.

“A queda de participação da população abaixo de 30 anos e, também, dessa população em termos absolutos é um reflexo da acentuada diminuição da fecundidade que vem ocorrendo no país nas últimas décadas e que já foi mostrada em outras pesquisas do IBGE”, observa o analista da pesquisa, Gustavo Fontes. O número de pessoas abaixo de 30 anos no país passou de 98,7 milhões, em 2012, para 93,3 milhões, no ano passado.

Com o envelhecimento da população, os resultados desse indicador vêm mudando nos últimos anos. A razão de dependência de jovens passou de 34,4 crianças e adolescentes por 100 pessoas em idade potencialmente ativas, em 2012, para 29,9, em 2021. Já a razão de dependência dos idosos aumentou de 11,2 para 14,7 no mesmo período.

O fenômeno da urbanização - que se manifestou entre os Censos de 1970 e 1980 - segue reduzindo o número de filhos das famílias e alongando a expectativa de vida das pessoas. Aferir o impacto de tudo isso, através dos Censos, é superimportante para o redirecionamento das políticas públicas.

Nossos políticos seguem como se ainda vivêssemos no século 20 e não no 3º milênio, pois os orçamentos da Educação mantêm altos percentuais para a educação básica, mas a demanda vai se deslocando das creches e do ensino básico para o ensino médio e profissionalizante e a educação superior. Na Saúde, não seria o caso de transferir verbas da pediatria para a geriatria e doenças cardiovasculares que oneram os hospitais da rede SUS?

O impacto de um país mais velho

O Brasil sempre se vangloriava de ser um país com predominância de jovens, o que, comparado ao envelhecimento das populações dos países europeus, por exemplo, era visto como uma dádiva. Como, estatisticamente, haveria mais jovens no mercado de trabalho contribuindo para a previdência social e recolhendo impostos sobre o consumo de bens e serviços, o Estado (aqui dividido entre a União, os estados e os municípios) teoricamente teria condições de bancar o bem-estar social.

Isso começou a ratear quando o crescimento econômico minguou para uma faixa abaixo de 3% (fora os períodos de recessão), já nos anos 80 e a urbanização do país acelerou as demandas por saneamento básico, investimentos em transportes, habitação, educação e saúde. A urbanização, acelerada pelas geadas do café, em 1975, que levaram os fazendeiros de São Paulo e Paraná a erradicar os cafezais, terminou com o colonato nas fazendas e desorganizou o abastecimento no país por quase duas décadas.

O colonato vigorou por mais de um século, desde que a Inglaterra proibiu o tráfico de escravos da África no Oceano Atlântico (em 1845) e foi a base da produção agrícola no Brasil durante décadas, pois as lavouras de milho, feijão e mandioca eram cultivadas nas “ruas” café e a maior parte das safras consumida nas cidades. Quando a maioria da população estava no campo (as famílias eram numerosas, porque, quanto mais braços, maiores as áreas que os donos das terras lhes confiavam sob a forma de parceria, de meia ou terça).

A substituição destas lavouras por monoculturas extensivas e mecanizadas, como a soja, o milho, a cana-de-açúcar e a laranja (o café mudou-se principalmente para o Sul de Minas), despejou nas periferias das cidades mão-de-obra que antes tirava alimentos para seu próprio sustento.

Só quando as lavouras conquistaram as terras do Cerrado no Planalto Central e fizeram Mato Grosso desbancar o Paraná como o “celeiro do Brasil”, a produção garantiu o abastecimento doméstico. A situação só voltou a se desestabilizar no governo Bolsonaro, devido ao excesso de estímulo à exportação e o pouco cuidado com a formação de estoques reguladores.

O Brasil desperdiçou um extraordinário “bônus do crescimento” do qual dispunha no começo deste século. Até 2012, a maioria da população era jovem, poderia produzir (e arrecadar) mais que demandar serviços do Estado.

O analista do IBGE Gustavo Fontes avalia que essa “mudança na estrutura etária da população brasileira reflete a queda no número de jovens e o aumento de idosos. Esse indicador revela a carga econômica desses grupos sobre a população com maior potencial de exercer atividades laborais. Sabemos que há idosos ativos no mercado de trabalho, além de pessoas em idade de trabalhar que estão fora da força. Mas o indicador é importante para sinalizar a potencial necessidade de redirecionamento de políticas públicas, inclusive relativas à previdência social e à saúde”.

A longevidade deixou clara a necessidade de elevação do tempo de contribuição e da idade mínima da aposentadoria para homens e mulheres. Há muitos outros problemas em jogo. Essas questões deveriam ser discutidas na campanha, mas são ignoradas pelos dois candidatos que lideram as pesquisas. Nas próximas décadas, a disputa entre as demandas de futuro dos mais jovens e as exigências de amparo pelos que estão envelhecendo agora parecerá um cobertor curto no inverno: uma das pontas (os pés ou a cabeça) ficará descoberta. A solução virá de mais reformas estruturantes (que ajustem os Orçamentos Públicos aos novos figurinos da população, se os deputados e senadores abandonarem seus próprios interesses, enfeixados nos Orçamentos Secretos). Ou os jovens terão de arcar com carga tributária maior para “carregar” maioria da população. Ou será que vão abandonar os pais e avós?

A inflação resiste no diesel

O governo Bolsonaro pode comemorar nesta 3ª feira, quando o IBGE divulga o IPCA-15 de julho, prévia do IPCA cheio de julho, que será divulgado em 9 de agosto, números declinantes da inflação, como consequência do pacote de bondades que reduziu impostos estaduais (ICMS, que tem parte da arrecadação repassada aos municípios) da energia elétrica, telecomunicações e combustíveis. Depois de subir 0,69% em junho, o IPCA-15 pode baixar a 0,13% conforme a expectativa média do mercado. A LCA Consultores espera 0,15%, o Bradesco alta de 0,18% e o Itaú, aumento de 0,19%. Mas para o IPCA pleno de julho, que será divulgado uma semana antes do início oficial da campanha eleitoral (que está nas ruas há muito tempo) no rádio e na TV, jé está sendo calculado com uma deflação de 0,67% pelo Banco Itaú.

Um dos alívios mais importantes no bolso da classe média alta vem das reduções de preços na gasolina, que ganharam um empurrão da Petrobras nesta semana, com a baixa de 4,9% no litro vendido nas refinarias. Em quatro semanas a gasolina já baixou 20%. O etanol, que entra em 27% na composição da gasolina comum vendida nas bombas, teve queda bem mais modesta: 4,32%, segundo levantamento da ANP. Mas o calcanhar de Aquiles dos combustíveis, continua sendo o óleo diesel, o produto mais vendido no Brasil e que movimenta o transporte de mercadorias por caminhões e de passageiros por ônibus urbanos. E o diesel tinha tido redução de apenas 1,7%, segundo a ANP. E o litro do óleo estava sendo vendido nas bombas a R$ 7,44. Muito acima dos R$ 5,89 da gasolina. Vem press

Os caminhoneiros autônomos, que enchem o tanque (300 a 400 litros), gastando de R$ 2.232 a R$ 2.976, não devem estar nada satisfeitos com a mesada mensal de R$ 1.000, que será paga em seis prestações a partir de 16 de agosto (largada da propaganda eleitoral), com mais esse pacote de bondade eleitoral, válido até 31 de dezembro. As pressões de reajuste nas passagens urbanas (os donos de frota pede reajustes na casa de 15%, podem ser atenuadas para os eleitores com mais de 65 anos, que terão gratuidade (ainda por regulamentar), mas o impacto dos fretes continuará se refletindo no transporte de produtos de hortifrutigranjeiros, da grande safra agrícola no interior do país e no transporte de mercadorias para o comércio e a indústria.

Há uma forte e irresistível pressão para a Petrobras baixar o diesel nas refinarias e ajudar de vez na campanha eleitoral. O preço do barril de petróleo do tipo Brent no mercado futuro, para entrega em setembro, estava em ligeira queda (-0,24%, a US$ 103,61 na 6ª feira). Mas para isso, Bolsonaro precisa contar com um inverno mais ameno no Hemisfério Norte e no esfriamento das tensões entre a Rússia de Putin e a Otan e os países europeus, que demandam gás e combustível para aquecimento no inverno.

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