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COISAS DA POLÍTICA

O chefe (Lula) tem sempre razão

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Publicado em 09/04/2023 às 05:38

Alterado em 09/04/2023 às 08:03

Detalhe da foto oficial da campanha do presidente Lula III Foto: PT

A grande diferença entre os 100 primeiros dias do 3º governo Lula e os 100 primeiros dias do governo “sainte”, como definiu o vice-presidente Geraldo Alkmin na época da equipe de Transição, pode ser resumida no trato com a imprensa, durante o café da manhã de Luís Inácio da Silva e alguns dos principais ministros com jornalistas, na última quarta-feira. Para começo de conversa, não houve censura a qualquer pergunta, por mais incômoda que fosse. Praticamente toda a imprensa foi tratada de igual para igual. Não houve nenhum “cala a boca”, que a ministra Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, já atestou o óbito. Houve urbanidade no trato com a imprensa, que cumpre o seu papel de intermediária entre o governo e a opinião pública.

Jair Bolsonaro, que parece não ter despido a farda da qual foi destituído por ser “um mau militar”, na definição do presidente Ernesto Geisel, jamais entendeu o papel da imprensa. Geisel era um general cioso da disciplina na caserna e não hesitou, por isso mesmo, em demitir dois ministros-generais que agiam contra a abertura política (Sylvio Frota, que era ministro do Exército, cujo ajudante de ordens era o hoje general Augusto Heleno, e Hugo Abreu, ministro-chefe da Casa Militar). Bolsonaro queria uma “imprensa amiga”, e tanto abusou do “cala a boca” que ficou limitado aos “cercadinhos” do Alvorada e/ou do Planalto, onde falava o que queria para os blogueiros amigos, e a grande imprensa cobria por dever de ofício. Afinal, era preciso acompanhar o presidente da República e registrar suas falas, por mais disparatadas que fossem contra a lógica e a Democracia.

Millor Fernandes tinha definição clara e precisa para o papel da imprensa: “Imprensa é oposição, o resto é armazem de secos e molhados”. Não sei se o caro leitor percebeu, mas alguns dos principais órgãos de imprensa do país mudaram radicalmente a postura “antes e depois” do resultado das urnas de 30 de outubro de 2022. O caso mais notório foi a faxina feita pelo acionista controlador, Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o “Tutinha”, ao afastar os bolsonaristas mais engajados da “Jovem Pan TV”, que virou “porta-voz” da campanha de reeleição de Jair Bolsonaro em 2022. Vários jornais e sites também se reposicionaram, como a “Folha de S. Paulo”, que passou a criticar Lula antes mesmo dele assumir o governo. A “Folha” percebeu, ao dar força à campanha das “Diretas Já”, no começo dos anos 80, que ser oposição angariava leitores (na época, superou o “Estadão”, que, como o JB, aderiu à campanha de Paulo Maluf e deu chance a “O Globo – para onde fui – “tirar” a farda).

O atentado de 8 de janeiro contra a Democracia recebeu condenação quase geral da mídia. Mas muitos jornais e sites deixaram claro que não estavam defendendo Lula ou atacando Bolsonaro, mas louvando a Democracia. E reiteraram a “posição de neutralidade, em defesa da 3ª via”. Notório caso de “O Estado de S. Paulo”, que bate impiedosamente, tanto em Jair Bolsonaro, com novos capítulos das “joias das Arábias”, quanto as posições estatistas e contra o “mercado” explicitadas por Lula. Enquanto Lula recebia a imprensa, a Polícia Federal recebia o ex-presidente para “tocar piano”, tirar fotos e depor.

Já contei aqui e cabe repetir um episódio no velho JORNAL DO BRASIL, ainda na sede da avenida Rio Branco, onde comecei minha carreira, em agosto de 1972. Valho-me da narrativa do meu chefe no Editorial do JB, Wilson Figueiredo. O fato se passou no 2º governo militar, do marechal Costa e Silva. O presidente estava incomodado com o tom dos editoriais do JB, criticando ações de seu governo. Coube à condessa Pereira Carneiro, presidente do jornal, tentar desarmar o espírito inconformado apresentado pelo presidente de turno do regime militar, que se queixou do jornal. Habilidosa, a condessa explicou didaticamente o sentido de “crítica construtiva” dos editoriais. Ao fim e ao cabo do farto almoço, após o cafezinho, o marechal ia se retirando, quase convencido, mas deixou escapar à D. Maurina Pereira Carneiro: “Eu entendo o sentido crítico dos editoriais, mas eu gosto mesmo é de elogio”. Pano rápido.

A velha prática das “Ordens do Dia” tecendo loas a personagens da história castrense (mesmo quando adotaram atitudes que a História, com H maiúsculo, condenou), muitas vezes, distorce o comportamento do militar, que não admite e não entende o contraditório. Se tivesse galgado postos na carreira, com patentes de coronel e chegado a general, o capitão Jair Bolsonaro teria tido oportunidade do debate na cadeia de comando. E não ficar apenas no caricato “um manda e o outro obedece”, como tentou enquadrar o general Eduardo Pazuello, nomeado seu 3º ministro da Saúde na pandemia da Covid-19, em 2020. O desastre resultou em mais de 700 mil mortes pelo vírus. Não vou me estender no genocídio dos yanomamis e na devastação ambiental. O governo Lula fez bem em extinguir a “Ordem do Dia” sobre o golpe militar de 1964.

Debate X desordem

Lula deixou que todos os jornalistas fizessem perguntas e estas expressavam dúvidas da opinião pública (incluindo o mercado). Assim, o café da manhã com a imprensa foi bastante proveitoso e serviu para ampliar a transparência entre as intenções do governo e a sociedade. Mas ficou claro, antes de tudo, que, embora admita discussões entre os ministros e auxiliares (situação que Bolsonaro, mais afeito a dar “ordens, porra”, não tolerava), a última palavra é sempre do presidente. E Lula se mostrou atento e afiado em relação aos mais variados temas domésticos e internacionais abordados (uma imensa diferença dos 100 dias do Lula III com os 1351 dias de Bolsonaro, nos quais sempre faltava vocabulário ou clareza para melhor explicar ideias canhestras).

As sucessivas falas de Lula em resposta a questões levantadas pelos jornalistas (em economia, educação, saúde, relações com o Congresso, nomeações para o SFT e política externa) deixaram bem claro que o que vale é o pensamento do presidente da República, ou o seu convencimento pelos auxiliares. Isso parece ter acontecido no caso do arcabouço fiscal, ao qual Lula resistiu inicialmente. Chamou o tema para discussão no Ministério, saindo da alçada exclusiva das pastas da Fazenda, Planejamento, e Gestão e Inovação, além do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio, Serviços e Comércio Exterior. Só depois de aparadas arestas com a Casa Civil (a pasta que decide) e as áreas sociais, bateu o martelo. Para a proposta ser finalizada e encaminhada a debate (e emendas) nas comissões da Câmara e Senado.

O debate franco e profundo difere da caótica reunião ministerial de 22 de abril de 2020. O país esperava que o ministério discutisse a pandemia da Covid-19. Mas, Bolsonaro, berrava que “ia trocar o comando da Polícia Federal e até o ministro” para não deixar, “de sacanagem, f....* minha família e meus amigos”. No dia seguinte, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, se demitiu. A história mostrou que Bolsonaro fez o que ameaçou. Aparelhou a PF, Abin, Receita Federal e demais agências do governo, sobretudo com militares de confiança. Com o fim do sigilo, interferências estão vindo à tona, Como as tenebrosas ingerências para a apropriação das joias de R$ 16,5 milhões retidas pela Alfândega do aeroporto de Guarulhos, em outubro de 2021.

O estilo conciliador de Lula, porém, cioso de seu poder de mando me lembra uma engraçada réplica da “Tábua dos 10 Mandamentos” exibida numa parede da oficina de Botafogo de meu saudoso amigo Andrea de Santi. Italiano, Andrea era muito bom de papo e melhor ainda como ajustador de carros (fez sucesso como fabricante de peças nos tempos das corridas do desaparecido Autódromo de Jacarepaguá, que foi abaixo para a construção de algumas instalações do Pan (2007) e definitivamente, para a construção do Parque Olímpico, em 2016. Era o “mandamento do chefe”, bem ao estilo da máfia italiana. Como no começo dos anos 80 os carros não tinham injeção eletrônica nem freios ABS e todas as parafernálias de chips que liquidaram as pequenas oficinas e nos deixaram à mercê das revendedoras que, quando o carro sai da garantia, nos cobram por hora, tão caro quanto renomados médicos ou advogados, tive tempo de guardar alguns dos ditos: “Il capo ha ragione; il capo ha sempre ragione; In caso di dubbio chiedi al capo”. Quem iria contestar il capo, ou o “capo di tutti il capo”, como era o caso então do bicheiro Castor de Andrade, chefe inconteste da máfia do jogo do bicho (depois de Castor perder a pose, preso, com os outros mafiosos em audiência pela juíza Denise Frossard), os bicheiros passaram a brigar entre si pelo comando das áreas onde exploram máquinas de videopôquer e caça níqueis em bingos clandestinos). Era o tempo em que “O chefe tem razão; o chefe tem sempre razão; se tiver dúvida pergunte ao chefe”. Hoje, atira-se primeiro.

O estilo mandão da máfia, absorvido por Benito Mussolini, fez escola no Brasil. Na política e até nos meios empresariais. No Brasil de Bolsonaro, os lemas fascistas faziam companhia às palavras de ordem nazistas. O “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, parece adaptação literal da palavra de ordem de Adolf Hitler: “Deutschland über alles”, que significa, em português: “Alemanha acima de tudo”. No final dos anos 70, no 2º andar da sede da mesa de “open market” do Bradesco, na Avenida Rio Branco 131, onde, certa vez, Amador Aguiar quis saber “quem eram os dois barbudos e cabeludos” (George Vidor, de “O Globo”, e eu, do “JB”, que estavam conversando com o gerente de “open” do Bradesco, Fernando Pinheiro Machado, que era também presidente da Andima). Após ficar claro que não éramos bancários, Amador nos convidou a ir à Cidade de Deus – não conheço). Pois havia um “Decálogo do funcionário Bradesco”. O banco estava acima da família e da pátria. Total caráter fascista. Com o tempo e o avanço da redemocratização, o decálogo foi escondido e esquecido. Dirigentes atuais ficam constrangidos quando cito o fato.


As razões de Lula

Vejam algumas posições de Lula, que viraram manchetes imediatas e ainda rendem. Concordo com o presidente em quase todos os casos.

Meta da inflação: 4,75% é o teto fixado para este ano. Esse teto (fixado em junho de 2020 por Paulo Guedes, ministro da Economia que comandava o Conselho Monetário Nacional, com a concordância de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central) ficou totalmente utópico após a escalada dos preços dos combustíveis e alimentos em retaliação à invasão da Ucrânia pela Rússia). Seria o 3º ano de estouro de metas utópicas (ou erradas).

A meta de 2021 (fixada em 2019) tinha teto de 5,25% e, também, ficou furada pela retomada dos preços dos combustíveis após a forte queda de 2020, quando a economia mundial encolheu com a Covid-19 e a alta dos alimentos. O teto da meta era de 5,25% e deu 10,06%, com alta de 18% em alimentos.

Para perseguir uma meta utópica de 5% em 2022, o Banco Central pôs os juros em 13,75% em 3 de agosto de 2022. Percebendo que os juros altos iriam asfixiar a economia e impedir a reeleição do presidente Bolsonaro, Paulo Guedes ignorou a meta e a política monetária e atuou diretamente na redução dos impostos (federais e estaduais) da gasolina e da energia elétrica. Derrubou a taxa de inflação acumulada em 12 meses do IPCA, de 12,7% em abril, para 5,79% em dezembro. Mas não impediu o estouro da meta e a eleição de Lula.

E deixou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o enorme pepino de recompor a arrecadação sem realimentar a inflação. Lula (e qualquer empresário que faz contas) sabe perfeitamente – ainda mais depois da última jogada da Opep de reduzir a produção para forçar a alta de preços do petróleo durante o período de aumento de consumo na primavera-verão do hemisfério Norte – que os juros atuais travam a economia. Só quem gosta dos juros altos são os rentistas, que ganham mais de 1% ao mês, deixando o dinheiro aplicado nos bancos, e os banqueiros, que fazem arbitragem com esses fundos cobrando empréstimos a juros ainda mais altos.

Por isso, Lula disse, com enorme sensatez: “Se a meta [de 2023, que é de 3,25% + 1,50% de tolerância = 4,75%] está errada [pois o mercado está ´revendo 6%, acima do teto de 4,75%], vamos mudar a meta”. Com a mudança, pelo CMN, do qual faz parte RCN, haveria motivo para o Banco Central aliviar a camisa de força dos juros e fazer a economia crescer. Não há melhor receita de política econômica que o crescimento, que faz toda a engrenagem da economia, emprego e renda se movimentar, gerando demanda/consumo e estimulando o investimento, que o juro mais baixo. Num carro hidramático, é impossível o motor levá-lo adiante se o pé direito estiver pisando no freio. E o ajuste fiscal, desenhado no arcabouço fiscal, cuja íntegra ainda não foi toda detalhada, será mais fácil e exequível com o PIB crescendo.

Preço dos combustíveis: com a manobra da Opep, anunciada no fim de semana passado, ressurgiram preocupações com o recrudescimento da inflação no mundo e no Brasil, puxada pela alta do petróleo e dos derivados. Os esforços diplomáticos do governo Lula para mediar, com outros países, uma solução para o conflito da Rússia com a Ucrânia, cujos impactos vêm afetado a economia mundial, visam combater a inflação pela negociação política, pondo fim à insensatez do conflito armado e aos esforços vãos de bancos centrais para debelar uma inflação, cujas chamas são reavivadas pela alta dos combustíveis.

No Brasil, um dos grandes produtores de petróleo, com excedentes cujas exportações rivalizam com as do agronegócio, vive-se o duplo contrassenso de ter abundância de oferta, mas ela não trazer benefícios para o povo brasileiro. Nos últimos três anos, o governo Bolsonaro, se jactava, através da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Tereza Cristina, de ser o “celeiro do mundo”, frase ecoada pelo ex-presidente. Mas o excesso de liberalismo fez o Ministério, que tinha a atribuição de criar garantias de abastecimento interno, importar soja em grão, em setembro de 2020 para extrair óleo, que já tinha subido mais de 100%. O mesmo ocorreu com o arroz, com alta acima de 70%. Os Estados Unidos sempre fizeram estoques reguladores de alimentos e de petróleo (embaixo da terra, para ser usado, em caso de extrema necessidade, junto com os estoques de segurança nacional). No caso do petróleo, no governo Temer, para sanar a greve dos caminhoneiros, em 2018, adotou-se o sistema de paridade de preços internacionais (PPI), com o preço cobrado no mercado interno para os combustíveis igual aos do mercado internacional – mais precisamente no Texas (EUA) -, atualizado pela taxa de câmbio.

De nada vale a Petrobras extrair mais de 2 milhões de barris/dia do pré-sal a custos inferiores a US$ 30 por barril, já computando os custos de exploração, frete de equipamentos e impostos e participações governamentais, um nível quase 70% inferior aos preços internacionais, sem transferir essas vantagens comparativas que nenhuma economia das Américas, da Europa (salvo Noruega e Reino Unido grandes produtores de petróleo e gás), da África, Índia, Japão e Coreia do Sul, e até a China, desfruta. Se eles tivessem petróleo ou outra fonte de energia de baixo custo, usariam o insumo para aumentar as vantagens competitivas de sua produção industrial e da cadeia produtiva.

Pelo absurdo liberalismo do PPI (criado para facilitar a privatização fatiada da Petrobras, sobretudo as refinarias – das cinco grandes oferecidas só houve interesse na pioneira Landulpho Alves, na Bahia, arrematada bem abaixo do valor avaliado pelo fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos – uma história ainda muito mal explicada), a Petrobras era obrigada a alinhar os preços aos do mercado internacional. Isso gerou lucros fabulosos à estatal. Mas, em vez de reverter para a sociedade, com preços mais acessíveis e insumos mais baratos às atividades industriais, do transporte (de cargas e passageiros, dependentes do óleo diesel), ou investimentos em novas fontes de energia, os lucros foram transferidos a felizardos acionistas. A distribuição bilionária de dividendos foi três a quatro vezes superior ao mínimo de 25% dos lucros anuais, obrigatórios segundo a Lei das Sociedades Anônimas.

Como o tema do petróleo é sensível politicamente, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, empresário e deputado mineiro do PSD, cuja pasta fixou esvaziada com a privatização apressada da Eletrobrás no ano passado, tratou de dar pitacos, anunciando, antes da hora, que o governo iria aproveitar a situação para “abrasileirar os preços” dos combustíveis. Essa foi uma proposta da campanha de Lula e faz todo sentido (como escrevi antes). Mas a Petrobras é uma empresa de capital aberto, presidida pelo ex-senador Jean Paul Prates, um especialista em energia. E, antes que o tema seja adotado, precisa ser amplamente discutido no Conselho Nacional de Política Energética (o estímulo ao consumo de combustíveis fósseis pode deslocar a demanda de energia renovável – hidroelétrica, solar e eólica). Por isso, instada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) se a política do PPI seria abandonada [na verdade, a Petrobras vem dando elasticidade aos intervalos de reajuste], a direção da companhia respondeu que nada havia sido alterado. Tanto bastou para a mídia explorar divergências [inexistentes] entre o ministro e o presidente da Petrobras. Lula deixou claro que a palavra final do tema (a ser devidamente debatido no CNPE e explorado politicamente por seu governo), será dele, o presidente da República. O chefe e árbitro das disputas na administração.

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