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COISAS DA POLÍTICA

O Jornalismo sem cliques e chiliques

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Publicado em 23/04/2023 às 06:10

Alterado em 23/04/2023 às 11:44

Bolsonaro encalacrado por acusações levianas ao processo eleitoral Foto: reprodução de vídeo

Confesso que, depois de mais de 50 anos de jornalismo, esta ânsia dos cliques no noticiário online está me cansando. Não se pode voltar na roda da história. Mas a correria do jornalismo online e a proliferação das redes sociais, além de facilitar a venda de “gato por lebre” (manchetes marotas para atrair cliques) para estimular a leitura de textos que não correspondem aos fatos, escancararam as portas das “fake news”. Nada mais cômodo para um governo, ou um personagem que estava acuado, em desvantagem no noticiário do que lançar um fato novo (real ou “fake”) para desviar a atenção. E escapar para respirar. Seria como o recurso do “clinch” pelo lutador que, para fugir do nocaute iminente, se agarra ao adversário para tentar ser salvo pelo gongo, quando teria um minuto de descanso para se recuperar do castigo.

No tempo em que os jornais dominavam o noticiário, com uma edição diária, os editores de cada seção (Política, Economia, Internacional, Cidade, Esporte, Caderno B/Cultura) tinham de fazer uma seleção prévia do melhor em cada página que editavam e ainda participavam, com o editor chefe e o chefe de redação da seleção do material que ia ilustrar a 1ª página do jornal diário. Na Economia, durante uma entrevista coletiva, enquanto um ministro da Fazenda ou presidente/diretor do Banco Central dava entrevista, os repórteres de rádio e TV, que raramente eram setoristas de Economia, acompanhavam com atenção os temais tratados pelos especialistas para depois extrair uma “sonora”, em um pergunta-e-resposta com a autoridade para ir ao ar. No fim do século passado, o avanço da internet e a expansão do noticiário online mudaram o jornalismo.

As notícias são conhecidas do público em geral, em primeira mão, não mais nas ondas do rádio, das TVs ou em sites, mas nas telas dos celulares, que podem ser acessados em casa, no trabalho, na rua, ou nos diversos meios de transporte usados no trajeto de ir e vir. Fui diretor de Conteúdo da Globo.com nos anos de 2001 e 2002. Sei da necessidade dos sites (e das TVs por assinaturas que “tocam” notícias) de trazerem notícias bombásticas e com isso acumularem cliques e “page views”, pois são elas que atraem anunciantes em busca da exposição de suas marcas junto ao maior público possível.



No ritmo do algoritmo

Mas esse jornalismo de “algoritmos” dá margem a muitas fraudes e vícios tão grandes quanto os que agora assaltam o futebol. Na Itália, o futebol entrou em crise na década passada quando foi descoberto um mega escândalo de corrupção de jogadores em função dos sites de apostas. Para variar, a máfia estava por trás dos jogos de azar. Descrevi há dois anos minha preocupação com a “assalto” dos sites de apostas (não há um programa ou transmissão esportiva que não tenha patrocínio ou anúncios de sites de apostas, que arrolam ex-craques como “coroas-propaganda”). Me assusta que as camisas de grandes clubes tenham esses patrocinadores, que tiveram as portas do país escancaradas no governo Bolsonaro, que tentou legalizar o jogo em “locais turísticos". Muitos dos sites estão radicados no exterior e nada pagam de impostos no Brasil. (o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer cobrar). O mal que causam ao futebol e a outros esportes é inimaginável. Quando os bicheiros tomaram conta da jogatina no Jóquei, o público se afastou dos prados, caso do Rio de Janeiro, onde o Jockey Club Brasileiro emoldura um dos mais belos cartões postais da cidade. O inquérito iniciado em Goiás deve se aprofundar em todo o país. Ganhador de cinco Copas do Mundo, o futebol brasileiro não merece girar na roleta. Mas, a jogatina dos sites de apostas já está condicionando o jornalismo esportivo a fazer levantamentos estatísticos para auxiliar as apostas (quem será expulso, quantos cartões fulano ou o time irá receber entram no leque das apostas) que corrompem a lisura do jogo.

O uso do “algoritmo” é muito bom para as redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram e Tik-Tok, que atraem cliques (e anúncios) com manchetes e casos maliciosos. Isso me lembra dos casos relatados na Escola de Comunicação da UFRJ, onde fui aluno da agora imortal Heloísa Buarque de Holanda, pelo também professor Muniz Sodré. Em São Paulo havia o famoso “Notícias Populares”, no qual a figura do “Tituleiro” rivalizava com a do Editor-chefe, pois uma grande manchete exibida nas bancas esgotava a pilha de jornais. Assim surgiram “Violada no Auditório”, para descrever a reação do cantor e compositor Sérgio Ricardo, que não aguentando as vaias à sua canção “Beto Bom de Bola”, no “Festival da Record”, então da família Paulo Machado de Carvalho, no fim dos anos 60, quebrou o violão no palco e o atirou no auditório. O mesmo “NP” veio com outra: “Cachorro Fez Mal à Moça”. Foi uma intoxicação causada por um cachorro-quente, o hoje popular “podrão”. Mais fino e irônico foi “O Fluminense”, de Niterói, então capital do antigo Estado do Rio de Janeiro (antes da fusão, em 1974, com o Estado da Guanabara). O marido estava desconfiado da fidelidade da mulher. Ao voltar para casa mais cedo, a encontra com o amante no quarto. Armado de revolver e facão, castra o rival. No “NP” sairia um garrafal “Castrado”. Já “O Fluminense”, que fechou as portas este ano, foi elegante com: “Marido Traído Corta o Mal Pela Raiz”.

Estou invocando casos aberrantes do passado para chegar aos dias atuais. Vejamos o caso Shein. A intenção do governo, para proteger a indústria nacional, sobretudo de calçados e confecção, da concorrência predatória dos sites chineses (Shopee e AliExpress fazem companhia ao Shein) que vendem de tudo no Brasil aproveitando da isenção de impostos nas remessas de cidadãos brasileiros para parentes ou amigos no exterior em remessas de até US$ 50 para pagamento das encomendas, foi barbaramente torpedeada nas redes sociais. Os que me leem aos domingos ou ao longo da semana na coluna “O Outro Lado da Moeda” sabem que remei contra a corrente. E sustentei que muitas das críticas foram plantadas por “influencers” que também ganham dinheiro por fazerem indicações junto a seus seguidores nas redes. Tanta onda fizeram que o presidente Lula suspendeu o fim da gratuidade (de pessoa física para pessoa física). Mas, com a intenção da Receita Federal do Brasil de acabar com a farra do trio de sites chineses que atuavam como camelôs, burlando o Fisco, mediante medidas administrativas surtiu efeito. Os dirigentes da Shein, da AlliExpress e da Shopee se comprometeram a discriminar os valores das mercadorias, serviços de frete e impostos em cada compra, como faz a americana Amazon. Isso reduz a burla fiscal e a evasão de divisas. O mais importante é que a Shein se comprometeu a articular com os produtores brasileiros de calçados e roupas a inclusão de seus artigos nos catálogos. Isto ajuda a fortalecer a produção, o emprego e a renda no país.

Por uma feliz coincidência, a reunião ocorreu em São Paulo na 5ª feira, 20 de abril, véspera do feriado em memória de Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”, alferes da Polícia Militar e grande mártir da Independência do Brasil. Tiradentes se insurgiu contra a “derrama”, a cobrança do “quinto” (20%) de toda a produção do ouro de Minas Gerais pela Rainha D. Maria I (que reinou em Portugal, Brasil e Algarves, de 1777 a 1815). Considerada “louca”, ela morreu em 1816. Antes passou o comando ao filho, o Príncipe Regente D. João, que trouxe a Família Real ao Brasil, em 1808. A elevação dos impostos, decidida pelo primeiro-ministro, Marquês de Pombal, visou a custear a reconstrução de Lisboa, destruída pelo terremoto de 1755. Mas a Rainha fez mais estragos na nascente industrialização da colônia. Por pressão da Inglaterra, que amparava Portugal na guerra contra a Espanha e França, após a condenação de Tiradentes à forca, em 21 de abril de 1792 - em frente à antiga “Cadeia Velha”, atual Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a famigerada Alerj - ela promulgou, em 5 de janeiro de 1785, um alvará impondo pesadas restrições à atividade industrial no Brasil. Além da indústria gráfica, proibia a fabricação de tecidos e outros produtos manufaturados. O acordo com a Shein, Shopee e demais congêneres honra a memória de Tiradentes contra a opressão de D. Maria I, a “Louca”.

E os dólares dos EUA?

O presidente Lula pode escorregar na incontinência verbal. Mas sua intuição política costuma ter pontaria mais certeira que as gafes de certas falas. Quando assumiu o governo pela 1ª vez, em 2003, estava em andamento o Acordo de Livre Comércio das Américas, uma ampliação do Nafta (que estabelece liberdade comercial entre Estados Unidos, Canadá e México, sempre favorecendo Tio Sam, é claro) para a América Latina. Entre a eleição, em outubro de 2002 e a posse, em janeiro, Lula se reuniu em Washington com o presidente George W. Bush. O improvável encontro de políticos tão distantes no espectro ideológico, para surpresa do intérprete de Lula, Sérgio Ferreira, praticamente a única testemunha do lado brasileiro, “fluiu muito bem”. Isso apesar de Lula, para rejeitar a adesão à Alca, conduzida pelo subsecretário de Assuntos Comerciais da Casa Branca (espécie de secretário de Comércio Exterior) ter se recusado a uma reunião com Robert Zoelick, durante a eleição de 1998, quando o tema já estava em debate, afirmando que “não ia se reunir com o sub do sub”. Mas pragmático, na sua estada em Washington, após a conversa com Bush, acabou por se reunir com Zoellick e renovou o não à Alca. As restrições que mantêm ao fechamento do acordo do Brasil com a OCDE e a União Europeia são do mesmo calibre. Ele prefere antes a integração regional, onde o peso do Brasil é maior, para reforçar o cacife brasileiro numa negociação mais ampla, por exemplo no G-20 ou no G-7, do qual o Brasil já fez parte, antes do encolhimento de seu PIB, perante parceiros como Índia e Canadá. Por isso, interessado em ampliar o papel do Brasil numa mesa de negociações em que se apresentaria como porta-voz dos países emergentes que estão sofrendo mais as consequências inflacionárias da invasão da Ucrânia pela Rússia, Lula fez críticas à hegemonia do dólar no comércio exterior e criticou a preferência da Otan pela guerra em vez da paz.

Pode ter errado no tom ou nas palavras, ao tentar disfarçar uma certa simpatia às posições da Rússia de Vladimir Putin. Mas, embora o Departamento de Estado dos Estados Unidos tenha reagido às falas do presidente brasileiro, o efeito concreto foi altamente multiplicador. Quando esteve em Washington, em fevereiro, o presidente Joe Biden acenou com ajuda inicial de US$ 50 milhões ao Fundo Amazônia. Foi considerado um “pingo” frustrante, se comparado aos bilhões desembolsados pela Alemanha e Noruega ao Fundo Amazônia, que ficaram congelados no governo Bolsonaro, por recusar o acompanhamento de representantes das duas nações na gestão do fundo. Pois esta semana, em conferência internacional, Joe Biden multiplicou por 10 (US$ 500 milhões) a ajuda americana às ações ambientais do Fundo Amazônia, a ser aprovada pelo Congresso, sem contar aportes da iniciativa privada e doações voluntárias.


O hoje já é amanhã

Com a experiência de 13 anos como editorialista de Economia do JORNAL DO BRASIL (dezembro de 1988 a maio de 2001, período em que acumulei a opinião do JB em assuntos econômicos, mas também dava pitacos em outros temas, como a extensão da Linha Vermelha à Baixada Fluminense, por exemplo) aprendi, nas discussões em mesa redonda que balizavam os editoriais orientados pelo Dr. Nascimento Brito, a refletir sobre os diversos aspectos de cada caso. E quando acumulei o Editorial com a função de comentarista econômico e depois Editor da 1ª edição do Conta Corrente, da Globonews, onde entrei no grupo fundador, em 1996, e deixei em maio de 2001, para ser diretor da Globo.com, percebi o impacto que as notícias online produziam até nos editoriais: antes refletiriam no dia seguinte as manchetes do JB do dia da reunião; agora tinham de incorporar as informações que já circulavam desde a manhã. Isso mudou a forma de intervenção do jornalismo e facilitou a proliferação das “fake News”, ou “fatos alternativos”, como gostava de classificar o ex-presidente Donald Trump as suas “mentiras sinceras”. Há custos disso para toda a sociedade. A Fox News, de Robert Mudoch, teve de pagar US$ 787,5 milhões (R$ 3,9 bilhões), à Dominion, fabricante de urnas eletrônicas, acusadas de passíveis de fraudes nas eleições.

Caso semelhante às alegações do presidente Jair Bolsonaro nos últimos dois anos de seu governo, quando a anulação dos processos de Sérgio Moro contra Lula, por decisão do Supremo Tribunal Federal, por considerar que o “Foro de Curitiba” não era competente para julgar Lula” na Lava-Jato, devolveu Luís Inácio Lula da Silva à cena política. Os inquéritos das “fake news” e as acusações levianas de Bolsonaro contra o processo eleitoral, feitas em reunião com os embaixadores estrangeiros acreditados em Brasília, por convocação da Presidência da República e do Itamaraty, podem custar caro ao ex-presidente. Sobretudo porque os fatos estão se enfeixando nos inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes, que abarcou no mesmo pacote as infames invasões das sedes dos Três Poderes da República, em 8 de janeiro.

No mesmo dia em que Jair Bolsonaro iria depor na Polícia Federal sobre esse caso (antes já “tocara piano” e fora fotografado e fichado no inquérito sobre a tentativa de liberação das joias de R$ 16,5 milhões apreendidas na Alfândega, em valor de uma mega-operação da Shein), a oposição, que estava empenhada em criar uma CPI Mista (Câmara e Senado, tentando provar a esdrúxula tese de que o governo Lula é que insuflou e infiltrou baderneiros no atos de 8 de janeiro (o 1º domingo após a posse, enquanto Lula estava em São Paulo se solidarizando com os atingidos pelas chuvas no interior do estado), com a estranha desmobilização das forças de segurança do DF e da própria Guarda Presidencial, em meio às convocações de manifestações para invasão das sedes dos Três Poderes, vaza nas redes sociais, com preferência pela CNN, um vídeo no qual aparece apenas a figura do general G. Dias, o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), no 4º andar do Palácio do Planalto, orientando o caminho da saída pelas escadas aos invasores.

Quem tira o jabuti da árvore?

Como um jabuti encontrado numa forquilha de árvore só pode ter chegado ali “por enchente ou mão de gente”, estranhamente, os rostos dos demais funcionários do GSI está apagado no vídeo divulgado. Embora quase todos os integrantes do GSI tenham sido remanescentes da gestão golpista do general Augusto Heleno, um dos mais fiéis conselheiros de Jair Bolsonaro, numa falha imperdoável do general G. Dias, não houve um expurgo em massa no GSI, facilitando a infiltração/desmobilização do dia 8 de janeiro. Note-se que durante a instalação da Equipe de Transição no CCBB, em Brasília, a equipe do general G. Dias descobriu aparelhos de escuta nas salas, supostamente plantados pela ABIN, uma das unidades de comando do GSI. Era para o general G. Dias ter ficado mais atento. Muito corretamente, o ministro Alexandre de Moraes pediu a identidade dos demais funcionários-militares do GSI que serviram água e até cumprimentaram os vândalos invasores como se fossem velhos conhecidos. Moraes vai poder comprovar se G. Dias fora sincero e apenas ingênuo em acreditar que não havia câmeras funcionando nos locais onde apareceu, como lhe informaram (e acreditou) no GSI. É a ponta de um iceberg que precisa ser claramente esclarecido na CPMI, cuja instalação passou a ser “questão de honra” para o governo Lula.

O palco da CPMI promete servir de embate entre os bolsonaristas, que pretendem emplacar o filho 03, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), como um dos três possíveis representantes do PL, o partido de Waldemar Costa Neto e que tem Jair Bolsonaro como presidente de honra. De concreto, o rebuliço causado pelas escaramuças na CPMI pode travar o andamento da tramitação de medidas administrativas do governo que têm prazo finito ainda este mês, bem como o arcabouço fiscal e, no limite, a Reforma Tributária.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que foi um dos idealizadores do maior bloco parlamentar, com mais de 170 deputados liderados pelo PP, em contraponto ao 2º maior bloco, liderado pelo Republicanos, com 142 parlamentares, precisa dar demonstração de liderança e lealdade que prometeu ao presidente Lula para se empenhar no avanço das votações.

O reexame do passado não pode e não deve paralisar o país. O Brasil precisa dar exemplo de maturidade política. Precisa caminhar para a frente. O desafio é recuperar as condições de crescimento que gera produção, emprego, renda e o desenvolvimento econômico, político e social.

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